“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

sábado, 16 de maio de 2015

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O que é preciso para ser budista e praticar o budismo?


O crescente interesse pelo budismo é acompanhado por um não menor desconhecimento e confusão acerca do que é e do que implica seguir a via do Buda. Mesmo quem conhece um pouco o budismo, frequentemente considera que tudo está contido nas quatro nobres verdades – apenas relativas ao sofrimento - , desconsiderando o caminho óctuplo, que começa pela visão correcta ou pela sabedoria, sem a qual não há a possibilidade do pleno despertar da consciência. Sem sabedoria, não é possível ser “budista” e muito menos o que acima de tudo importa: ser Buda, uma consciência desperta. Tudo vem da visão, que determina a nossa motivação e acção.

Este seminário visa apresentar os 4 selos, propostos pelo Buda para nosso estudo, reflexão e meditação como expressão da natureza autêntica das coisas:

1. Todos os fenómenos compostos são impermanentes.
2. Todas as emoções são insatisfatórias.
3. Nada existe em si e por si.
4. O nirvana/despertar transcende todos os conceitos.

Segundo a tradição do Buda, quem compreender e aceitar estes 4 selos está na via do Buda / Despertar, mesmo que nunca tenha ouvido falar dela, e quem não os compreender e aceitar não segue na verdade a via do Buda / Despertar, por mais que se considere “budista” e faça práticas “budistas” há dezenas de anos. Este seminário visa ajudar a compreender os 4 selos e a base de toda a via do Buda. Como complemento aconselha-se a leitura de O que não faz de ti um budista, de Dzongsar Jamyang Khyentse (Lua de Papel, 2009).

O seminário será orientado por Paulo Borges. Tentando praticar a via do Buda desde 1983, tem orientado desde 1999 workshops, cursos e retiros de introdução teórica e prática ao budismo e à meditação. Professor de Filosofia na Universidade de Lisboa. Cofundador e ex-presidente da União Budista Portuguesa (2002-2014). Cofundador e presidente do Círculo do Entre-Ser. Tradutor de textos budistas, como Estágios da Meditação, de Sua Santidade o Dalai Lama (Lisboa, Âncora Editora, 2001), o Livro Tibetano dos Mortos (Lisboa, Ésquilo, 2006) (com Rui Lopo), A Via do Bodhisattva, de Shantideva (Lisboa, Ésquilo, 2007), O Caminho da Grande Perfeição, de Patrul Rinpoche (Lisboa, Ésquilo, 2007) e O que não faz de ti um budista, de Dzongsar Jamyang Khyentse (Lua de Papel, 2009). Entre outras obras é autor de O Budismo e a Natureza da Mente (com Matthieu Ricard e Carlos João Correia, Lisboa, Mundos Paralelos, 2005), de Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar (Lisboa, Âncora Editora, 2010), de Quem é o meu Próximo? Ensaios e textos de intervenção por uma consciência e uma ética globais e um novo paradigma cultural e civilizacional (Lisboa, Mahatma, 2014) e de O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral (Lisboa, Mahatma, 2015).

Data e horário: dia 18 de Maio, das 19.30 às 22.30.
Contribuição: 20 euros
Uma real indisponibilidade financeira não é impeditiva.

Local: União Budista Portuguesa, Av. Cinco de Outubro, n.º 122, 8.º Esq., 1050-061 Lisboa.

Contactos: 213 634 363 (das 17h00 às 21h00)
Email: sede@uniaobudista.pt
Metro: Campo Pequeno
Autocarros: 21, 38, 44,49, 54, 56, 83, 727, 732, 738, 745
Comboios: Entrecampos

terça-feira, 12 de maio de 2015

"Eu" exterior e "eu" interior


“Mas o “eu” exterior, o “eu” de projectos, de finalidades temporais, o “eu” que manipula objectos para tomar posse deles, é alheio ao “eu” escondido e interior que não tem projectos e não procura realizar nada, nem sequer contemplação. Ele procura apenas ser e mover-se (pois é dinâmico) de acordo com as secretas leis do próprio Ser e de acordo com os incitamentos de uma Liberdade Superior (isto é, de Deus), em vez de planear e realizar de acordo com os seus próprios desejos”

- Thomas Merton, The Inner Experience. Notes on Contemplation, 2004, p.5.

sábado, 9 de maio de 2015

As duas dimensões universais da experiência mística


“Para falar verdade, a experiência mística não comporta senão duas dimensões absolutamente universais e independentes da subjectividade dos indivíduos. A primeira é negativa: é a certeza de que tudo o que a experiência dá a ver, a escutar, a sentir, é sem medida comum com o conhecido, o familiar, o categorizável, as estruturas do nosso universo físico e social. Abre-se aqui um abismo onde desaparecem todas as nossas referências, tudo aquilo sobre o qual se apoia a nossa consciência de nós-mesmos, dos outros e do mundo. Aqui se perfila o absolutamente outro, o irrepresentável, o indizível. (...) há o outro lado da experiência, o qual, sem contradizer a primeira no quer que seja, lhe confere um sentido e a torna vivível para nós. A primeira tritura todo o pensamento e amordaça toda a palavra. Aí onde se apresenta só reina a angústia. Mas o êxtase é a superação da angústia neste sentido em que o seu outro rosto se chama o não-sofrimento. Num modo que escapa ao entendimento é-nos anunciada a Boa Nova da universal reconciliação: tudo está bem para sempre, nos séculos dos séculos, os conflitos que nos dilaceram estão pacificados desde sempre, as nossas mais profundas aspirações já misteriosamente realizadas, os nossos desesperos sem fundamento, as nossas vidas desfeitas já recolhidas na solicitude ardente do Ser. Aquele que recebe uma tal mensagem, como poderia calá-la?”

- Michel Hulin, La Mystique Sauvage. Aux antípodes de l’esprit, Paris, PUF, 1993, p.279.

sábado, 2 de maio de 2015

A Pobreza em Espírito. Para um encontro e diálogo cristão-budista (com José Tolentino Mendonça e Paulo Borges)


Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

5 de Maio, 3ª feira, 18:30

Dando continuidade a um encontro e diálogo com vários séculos – onde a cultura portuguesa foi pioneira - e particularmente vivo na actualidade, José Tolentino de Mendonça e Paulo Borges estarão juntos neste evento onde um cristão comentará um texto budista e um budista um texto cristão, em torno do tema do despojamento espiritual radical.

José Tolentino de Mendonça falará sobre o texto do mestre Lin-Tsi (séc. IX), fundador da escola Rinzai do budismo Ch’an: "Adeptos, quereis ver as coisas em conformidade com o Dharma? Guardai-vos apenas de vos deixardes extraviar pelas pessoas. Tudo o que encontrardes, no exterior e (mesmo) no interior de vós mesmos, matai-o. Se encontrais um Buda, matai o Buda! (...) É esse o meio de vos libertardes e de escapardes à escravatura das coisas; é essa a evasão, essa a independência!"

Paulo Borges falará sobre o sermão 52 de Mestre Eckhart (sécs. XIII-XIV), teólogo, filósofo e pregador dominicano, que tem pontos culminantes nas súplicas: “Por isso rogamos a Deus ser livres de Deus e receber a verdade e dela fruir eternamente aí onde os anjos mais elevados, a mosca e a alma são iguais, aí onde eu estava e queria o que era e era o que queria”; “Por isso rogo a Deus que me livre de Deus; pois o meu ser essencial está acima de Deus, na medida em que concebemos Deus como origem das criaturas”.

O moderador será o Professor Carlos João Correia e o encontro terá lugar no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no dia 5 de Maio, às 18h 30m. A entrada é livre.

José Tolentino de Mendonça é sacerdote católico, teólogo e poeta. É vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa e responsável pelo Centro de Estudos de Religiões e Culturas Cardeal Höffner da Universidade Católica Portuguesa. Tem vasta obra, onde recentemente se destacam A Papoila e o Monge (haikus, 2013) e A Mística do Instante. O tempo e a promessa (2014).

Paulo Borges é professor de Filosofia da Religião e Pensamento Oriental no Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, cofundador e ex-presidente da União Budista Portuguesa (2002-2014), codirector da revista Todo o Mundo ENTRE Ninguém e presidente do Círculo do Entre-Ser, associação filosófica e ética inspirada no mestre budista Thich Nhat Hanh. Entre a vasta obra destacam-se, neste contexto, Descobrir Buda. Estudos e ensaios sobre a via do Despertar (2010) e O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral (2015).

Organização: Grupo de Investigação de Filosofia Prática do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, com o apoio do Círculo do Entre-Ser, da União Budista Portuguesa e do Centro de Estudos de Religiões e Culturas Cardeal Höffner da Universidade Católica Portuguesa.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O Paradoxo do 1 de Maio - Celebrar o Trabalho?


O dia de hoje é paradoxal. Celebra-se o trabalhador, na efeméride de uma manifestação contra a exploração do trabalho pela civilização burguesa e capitalista, mas esquece-se que o trabalho é precisamente o valor em nome do qual essa civilização triunfou e que foi estranhamente assumido e divinizado pela quase totalidade do movimento socialista. A nova religião do sucesso pelo trabalho surgiu nos países do Norte da Europa (como mostrou Max Weber) e generalizou-se também em nome da emancipação da escravatura da maioria activa e produtiva da população para que alguns - clero e nobreza - vivessem desocupados, mas acabou por democratizar e universalizar essa escravatura, com a planetarização do Ocidente. Hoje somos (quase) todos escravos do trabalho, com excepção de uma minoria. Como dizia Agostinho da Silva, (sobre)vivemos sem tempo para outra coisa senão "ganhar a vida" que recebemos gratuitamente, sem tempo para contemplar, amar e criar, ou para simplesmente ser, constantemente ocupados e preocupados com a produção e o consumo de produtos, bens e serviços que na maioria são desnecessários, fúteis e muitas vezes prejudiciais, aproveitando apenas à minoria de investidores e especuladores que lucram com isso. A civilização do trabalho e do "neg-ócio" - a negação do "otium", a desocupação contemplativa, fonte de todo o conhecimento desinteressado - domina e escraviza tudo, desde os milhões de vidas humanas instrumentalizadas em actividades mecânicas, burocráticas e fastidiosas até ao número inconcebível de vidas animais industrializadas na produção de carne, peixe e lacticínios e aos recursos naturais, à biodiversidade e à paisagem de uma Terra devastada por este formigueiro alucinado, neurótico e "workaólico" em que se converteu a humanidade.

Se queremos libertar os humanos, os animais e a Terra temos de abandonar a nova religião do crescimento económico - com o seu novo deus-ídolo, o dinheiro e o lucro, os seus novos profetas-sacerdotes do marketing e da publicidade e os novos teólogos-economistas neoliberais ou socialistas produtivistas - e optar por uma sociedade onde se trabalhe menos e haja mais tempo livre para viver uma vida não centrada na produção e no consumo, com a vantagem de assim haver mais emprego para todos, menos destruição dos ecossistemas e das vidas dos animais e mais tempo livre para a cultura, o desenvolvimento pessoal e a felicidade. Mas isso exige, a par de recolocar a economia sob o domínio da política e esta sob a alçada da ética e da cultura, deixarmos de ser cúmplices da ganância institucionalizada e investirmos em vidas mais simples, com menos quantidade mas mais qualidade, reduzindo os desejos às necessidades, de modo a que a opulência de poucos não seja a miséria da maioria e haja uma abundância frugal para todos. Veja-se a fundamentação científica desta proposta na vasta obra do economista e filósofo Serge Latouche.

Esta nova atitude pode aprender-se e emergir mais facilmente nos povos, sociedades e culturas que preservam ritmos e formas de vida mais contemplativos, sustentáveis e festivos, como no Sul da Europa, África, América Latina, algum Oriente menos ocidentalizado e no mundo tradicional e indígena em geral, desde que se livrem da obsessão de imitarem o pior do estilo de vida europeu-ocidental. Comecemos por nós, portugueses e lusófonos, que temos a vocação histórica de promover pontes entre culturas e estamos numa posição estratégica ideal para trazermos para o Velho Mundo europeu ideias que o possam ressuscitar da decadência em que se afunda, vergado sob o peso das ideologias do trabalhismo, sejam de "direita" ou de "esquerda".

- Paulo Borges, in Quem é o meu Próximo?, Lisboa, Mahatma, 2014, pp.188-189