“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Meditar na respiração: respiramos ou somos respirados?


"Findo o pequeno período de pós-meditação, entramos de novo num breve momento de meditação sem objecto, mantendo apenas a coluna bem direita. A partir daí, dirigimos a atenção para o corpo, que alinhamos de novo na postura em sete pontos, vivenciando a sua dimensão física e mental, interna e externa. Procuramos fazer sempre todos estes exercícios como se fosse a primeira vez, sem os converter num hábito, rotina ou processo automático. Na verdade é sempre a primeira e única vez que os fazemos, tal como tudo na nossa vida. Mantemos um espírito fresco, aberto e muito sensível à constante novidade de cada experiência, que é sempre irrepetível. Por muito que já tenhamos praticado ou lido sobre meditação, abdicamos de pensar que já sabemos alguma coisa e vivenciamos cada instante da experiência a partir do zero, como uma flor fresca que se abre a cada instante pela primeira vez: “espírito zen, espírito de principiante”.

Começamos por estabilizar durante uns breves momentos a atenção no corpo como um todo ou numa região apenas, como atrás descrito. Entramos então mais fundo, numa dimensão mais interna e subtil de nós mesmos, a respiração. O método mais simples consiste em respirarmos apenas como natural e espontaneamente o fazemos, sem alterar nada, e focarmos plenamente a atenção nessa experiência, embora uma parte fique livre para estar consciente da própria focalização. Procuramos sentir o ar a entrar e a sair, acompanhando-o ao longo de todo o percurso, mantendo a mente focada em todas as sensações que isso provoca. Como sempre, é uma atenção nua, que repousa no inspirar e no expirar sem comentários, sentindo tudo o que está a acontecer sem juízos, rótulos ou comparações. Mantemos a atenção no fluxo e refluxo da respiração, como uma maré que sobe e desce ao seu ritmo natural, e descontraímos totalmente, sem nenhum esforço adicional à simples manutenção do foco. Como diz um texto antigo, a mente repousa na respiração como uma borboleta numa flor, docemente, sem tensão.

Deixamos que os pensamentos, emoções e imagens venham e vão, no seu fluxo habitual, sem lhes darmos qualquer importância, procurando apenas manter a atenção na respiração, sem nos envolvermos com eles e sem acrescentar mais pensamentos àqueles que espontaneamente surgem. Se nos distrairmos com os pensamentos ou com outra coisa qualquer, como o que se passa à nossa volta, os estímulos externos, damos por isso e regressamos imediatamente à respiração, sem perdermos tempo e agitarmos a mente com juízos, comentários e autocríticas.

Ao respirar assim, plenamente atentos, entramos cada vez mais em contacto com uma dimensão de nós sã, simples e natural, livre das complicações, preocupações, problemas e sofrimentos conceptuais e emocionais da mente dominada pela ficção da separação e por tudo o que disso resulta: medo, insegurança, avidez, apego, aversão e indiferença. A respiração consciente revela-se assim um espaço de sanidade, frescura e abertura de que sempre dispomos e aonde podemos regressar a qualquer momento. Um espaço de encontro connosco próprios, mas numa dimensão de nós que, ao mesmo tempo que é mais íntima, menos fechada está em si mesma: pelo contrário, ao inspirar e expirar sentimos a evidente interconexão com a totalidade dos seres e do mundo. Na verdade a respiração é a presença em nós do fluxo da vida e atender a ela conduz-nos a sentir e descobrir a interconexão com tudo o que existe, comungando o mesmo fluxo vital universal. Inspiramos o que os outros expiram, expiramos o que os outros inspiram, não existimos nem vivemos separados e isolados, fora da comunhão e da osmose com esse fluido que envolve, banha e impregna tudo: humanos, animais, plantas, Terra, universo. Quanto mais entramos na atenção plena ao respirar, mais a percepção do corpo se aprofunda e dilata: é um corpo aberto, sem os aparentes limites da pele, um corpo que acolhe em si o mundo ao inspirar, um corpo que se entrega ao mundo ao expirar. Um corpo-mundo. Podemos mesmo questionar se somos nós que respiramos ou se não somos antes respirados... Se somos nós que respiramos ou se é o inteiro unimultiverso que nos respira... Talvez na nossa aparente expiração sejamos inspirados por tudo e na nossa aparente inspiração sejamos expirados por tudo... Sentir e reconhecer isto pode levar-nos muito longe, a um profundo despertar da consciência para além das ficções do ego, para além da ficção do ego ou do eu separado.

Se não conseguimos acompanhar todo o percurso do ar a entrar e a sair, focamos a atenção onde isso é mais evidente. Pode ser por exemplo apenas a sensação do ar a entrar e a sair pelas narinas. Se for possível acompanharmos a inspiração até ao seu limite, sentimos até onde os pulmões se enchem e a partir de onde se esvaziam. Aceitamos a respiração tal qual se processa, seja mais profunda ou mais superficial.

Terminado o período que destinámos a esta sessão, esquecemos a respiração, abandonamos todo o foco da atenção e deixamos que esta se abra completamente na meditação sem objecto ou presença aberta, ao mesmo tempo que repousamos as mãos sobre os joelhos, caso estejam uma sobre a outra. Descontraímos profundamente, física e mentalmente.

Passamos depois ao estiramento da coluna e à pós-meditação. Com a evolução da prática, podemos começar a conciliar a abertura da atenção, sem qualquer foco ou suporte, com a consciência do corpo em movimento no estiramento e na pós-meditação. É como se o corpo, ao estirar-se, fosse uma árvore que crescesse e se expandisse em pleno espaço, dele inseparável. A pós-meditação também pode começar a experimentar-se assim: estamos completamente abertos a tudo e ao mesmo tempo conscientes de cada coisa que fazemos"

- Paulo Borges, O Coração da Vida. Visão, meditação, transformação integral, Lisboa, Edições Mahatma, 2015, pp.105-107.

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