“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A grande tarefa política é transcender e dispensar a política

A grande limitação da política, ou pelo menos da política tradicional e convencional, seja de esquerda, centro ou direita, partidária ou não, é o de girar sempre em torno da conquista, exercício ou influência do poder, institucional ou não, estatal, cultural ou mediático. E outra grande limitação é tender sempre a ser antropocêntrica, pois é coisa da “polis”, da cidade ou sociedade dos humanos, que se ficciona separada da comunidade natural e cósmica e trata como escravos os animais e a Terra.

Da primeira orientação vem a importância, desde a Ágora grega até aos actuais espectáculos eleitorais e parlamentares, do debate público entendido como combate para vencer o adversário e colher votos e apoios. Daí a centralidade da oratória e da retórica que visa a persuasão, o convencer os outros de que se tem razão para se ter poder, o que, porque raramente funciona (porque os outros também pretendem ter razão e poder e porque o que move as supostas “razões” de uns e outros são quase sempre os desejos e interesses egocêntricos, individuais e grupais), conduz frequentemente à corrupção, mentira, calúnia e difamação, quando não à agressão física e ao assassínio. A essência oculta ou patente da política tradicional é o combate e a violência.

E este é o problema. Porque é a desconexão e a consequente luta pelo poder, do humano sobre o humano, os animais e o mundo, que está no centro da actual crise da civilização. O maior problema da política tradicional é ela mesma. É por isso que não o pode resolver e precisamos de outra coisa. Não de política, no sentido habitual, mas da experiência social do despertar e da expansão da consciência amorosa e compassiva. Que nasce não do “poder” entendido como domínio sobre o outro - o que é uma forma de auto-escravização, pois o tirano também é escravo da sua tirania - , mas do poder de ser, aqui-agora, simultaneamente livre de todos os poderes e inseparável dos outros, de todas as formas de vida, não visando por isso dominar quem quer que seja. Não visando servir-se, mas antes servir: o sentido antigo da palavra “ministro”.

A grande tarefa política é na verdade micropolítica e metapolítica: organizar a república da mente e do coração mediante a atenção plena a si, de modo a assegurar o bom governo de cada um pelo melhor de si mesmo, e transcender e dispensar a política em sociedades humanas cada vez mais despertas, fraternas e abertas à comunidade cósmica, mediante a atenção plena à interdependência com todo o outro, humano e não-humano. Sociedades humanas que estendam a todos os seres e entidades naturais a categoria de “próximo” e que se organizem não para manter e reproduzir uma vida alienada, mas para promover uma vida boa e plena, para humanos e não-humanos, em harmonia com a Terra. O que começa por abrir e expandir espaços de vida desperta, solidária e liberta, sendo o primeiro de todos o da própria consciência. Pequenos grupos de afinidade que se associem e expandam, comunidades em transição, germes de criatividade e libertação num mundo de instituições cada vez mais decadentes, atrofiadas e destrutivas por falta da verdadeira inteligência: a da interconexão, do amor e da compaixão.

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