“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Democracia, aristocracia interna, anarquia ou acracia

A democracia será sempre o mais paradoxal dos sistemas de governo. Defende o governo pela maioria, mas a história e a condição humana mostram ser sempre uma minoria que aceita subordinar-se à vontade maioritária, de bom grado e sem ser movida por expectativa de recompensa e temor de punição. A maioria dos humanos, mesmo que sejam democratas de aparência, são autocratas e potenciais ditadores no íntimo. É por isso que a democracia formal, seja representativa ou participativa - sem educação para uma aristocracia interna a cada cidadão, pela qual cada um procure autogovernar-se pelo melhor de si mesmo, o espírito de renúncia ao egoísmo, o que ao limite conduz à anarquia ou acracia, a dispensa de todo o poder coactivo externo – , não resolve por si só nenhum dos problemas políticos da humanidade.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Breve análise dos resultados das eleições para a presidência do PAN

Foi ontem eleito presidente do PAN em eleições directas o rosto de um grupo que montou um esquema para acabar, no próximo Congresso, com a figura do presidente e com as eleições directas, tendo por isso concorrido a presidente em eleições directas... :)

Numa eleição em que havia dois candidatos, e portanto razões acrescidas para os filiados irem votar, o novo presidente foi eleito com 109 votos, cerca de 13% de um partido que conta com mais de 800 filiados (escasso resultado, para tanto esforço com telefonemas, almoços e contactos). A Direcção anterior, que foi a única lista concorrente, teve 115 votos numa altura em que o partido tinha cerca de 600 filiados, conseguindo cerca de 20% dos votos possíveis. Nestas eleições, o total dos votantes não chegou sequer a 20% dos filiados.

Ou seja, no PAN a maioria é cada vez mais representada e governada por uma minoria ainda menos representativa do que aquela que elege os partidos e candidatos vencedores nas eleições Legislativas e Presidenciais nacionais. Mas a isto chama-se democracia representativa.

Responsabilidade de quem se abstém? Sim. Mas só de quem se abstém? Não será coresponsabilidade dos candidatos e do próprio partido, que não leva os filiados a sentirem que é importante no mínimo votarem? E não será a própria democracia representativa a mostrar a sua profunda crise?

Legitimidade de quem é eleito? Sim, regulamentar e formal. A mesma que têm neste momento Cavaco Silva e o PP/PSD, eleitos para governar, influenciar e prejudicar a vida de toda a população com uma pequena minoria de todos os votantes possíveis. Mas haverá verdadeira legitimidade moral? E pensarão os “vencedores” nisto? Interrogar-se-ão sobre o sentido, o fundamento e a legitimidade da sua “vitória”? Duvido. Não parece (Não me excluo desta reflexão crítica, pois também fui eleito, com a Direcção anterior, por uma minoria de todos os filiados do PAN).

Assim vão as coisas na política e na democracia. A Vida felizmente segue o seu curso. Inteira. Sem partidos.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Queres fazer algo de realmente útil, nesta tua curta passagem por este mundo?

Queres fazer algo de realmente útil, nesta tua curta passagem por este mundo? Coloca primeiro que tudo a ti e depois aos teus semelhantes as questões que ninguém coloca e que todos rejeitam. E se não tiveres respostas tem a coragem de as não inventares, cedendo aos teus interesses ou aos do teu grupo ou espécie. Podes acabar no ostracismo, no ridículo ou na fama, mas terás contribuído para que não adormeçamos sossegados na almofada da ilusão. E a tua melhor recompensa será nunca a teres nem procurares.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Declaração sobre o PAN e a minha não recandidatura a presidente

Declaração sobre o PAN e a minha não recandidatura a presidente

Caras filiadas e caros filiados do PAN
Caros cidadãos
Caras amigas e caros amigos

Por imperativo de consciência, pelas responsabilidades até hoje assumidas no PAN e pensando nas muitas pessoas que por confiança em mim se tornaram filiados e votantes no PAN, sinto o dever ingrato de escrever o que segue, expondo a minha leitura dos recentes acontecimentos, bem como as razões da minha demissão de presidente a meio do mandato e de não me recandidatar, apesar de ter sido exortado a isso por muitas pessoas, cujo apoio agradeço. Como disse na declaração que fiz na última reunião da Comissão Política Nacional, a 13 de Setembro, o futuro dirá onde acerto e onde erro, onde sou justo e onde sou injusto. Espero estar errado, mas duvido sinceramente disso.

Quando me tornei um dos fundadores do PAN e aceitei o convite para me candidatar a seu presidente, julguei possível, apesar das minhas fortes reservas em relação aos partidos políticos, construir em Portugal um projecto político diferente, que subordinasse a política à ética e não restringisse esta aos humanos, alargando-a a todos os animais e à natureza. Um projecto político de causas e não de carreirismos e lutas pelo poder. Creio que foi isso que muitos portugueses esperaram e esperam de nós e daí a grande votação de 2011 e os bons resultados posteriores. Passados quatro anos, vejo todavia com tristeza que fui muito ingénuo, constatando que de 2011 até agora boa parte do tempo, da energia e das capacidades que as pessoas dedicam ao PAN se esgota na melhor das hipóteses em burocracias e na pior em lutas internas, campanhas de difamação, jogos de bastidores, lutas de secretaria, impugnações no Tribunal Constitucional e manobras maquiavélicas de luta pelo poder sem o mínimo de escrúpulos e decência.

Eu e a Direcção demissionária tivemos contra nós o ódio de estimação de quem queria fazer do PAN um partido só pelos animais e sobretudo pelos animais domésticos, ao contrário do projecto global que sempre defendi, que considera as causas humana, animal e ambiental como uma só e que sempre teve o apoio esmagador dos delegados aos Congressos. Esse ódio materializou-se em campanhas baixas de difamação pessoal, em mensagens ameaçadoras e chantagistas que recebi até pouco tempo antes da demissão e em processos no Tribunal Constitucional, todos improcedentes, que prejudicaram muito a actividade do partido em momentos eleitorais decisivos. Apesar disto tudo, o partido teve sempre um crescimento sustentado, tendo tido bons resultados nas eleições Autárquicas de 2013, com a eleição de vários deputados municipais, e tendo tido resultados positivos nas Europeias de 2014, onde subimos percentualmente num contexto de grande subida da abstenção e tivemos resultados que, segundo analistas políticos isentos, permitem antever a eleição de pelo menos um deputado em Lisboa, e porventura outro no Porto, nas Legislativas de 2015. Se perdemos votos em termos absolutos todos os partidos os perderam e muito mais do que nós. Se fomos ultrapassados pelo LIVRE e pelo MPT só quem estiver de má-fé pode ocultar que, apesar de termos uma subvenção e eles não, eles tiveram a subvenção muito mais eficaz de terem figuras mediáticas, com presença regular na comunicação social.

Foi então, quando num partido político minimamente normal todos estariam unidos para preparar um grande sucesso em 2015, que surgiu um grupo na Comissão Política Nacional que começou a fazer uma leitura miserabilista e a meu ver estrategicamente maldosa destes resultados eleitorais, bem como da actividade da Direcção Nacional, por mim presidida (agora Comissão Política Permanente). Para eles tudo passou a estar mal, os resultados eleitorais ameaçavam a não eleição de nenhum deputado e a perda da subvenção e a DN tinha ficado muito aquém de cumprir o que prometera ao candidatar-se (mas, contraditoriamente, reconheceram que, a meio do mandato, tínhamos realizado 15 das 40 medidas propostas, ou seja, 40%, o que, com mais um ano pela frente, permitia antever chegarmos aos 80% ou mais, sobretudo quando havíamos contratado um assessor particularmente activo, o Maurício Pereira, contratação que por isso mesmo começou a ser questionada...).

Claro que eu e a Direcção Nacional reconhecemos que havia muitas coisas que estavam mal, que não estavam bem ou completamente bem e deviam ser melhoradas, nomeadamente em termos de organização e comunicação interna, de relação com os Conselhos Locais, etc. Por isso mesmo, e assumindo algumas fragilidades devido à indisponibilidade recente de alguns membros (por exemplo, o Orlando Figueiredo, candidato às Europeias, passou a trabalhar em Bruxelas), a DN pediu apoio à CPN para poder executar um plano de acção estratégica que pusesse desde já o partido em pré-campanha para as Legislativas de 2015, de modo a garantirmos a eleição de pelo menos um deputado. É aqui que começa um dos episódios mais vergonhosos da curta história deste partido. Esse apoio foi-nos prometido e foi criado um grupo de trabalho para conceber esse plano de acção estratégica mas, ao mesmo tempo, nas costas da DN e de cerca de metade dos comissários políticos, bem como de todos os filiados, o grupo que agora se chama “Inteligência Colectiva” começou a reunir a sós para preparar documentos onde se convocava um Congresso para nele se propor uma nova alteração dos Estatutos (cinco meses após a última) para pôr fim à figura/órgão do Presidente do partido, substituindo-o por uma Comissão Política Permanente com sete rostos e apenas eleita pelos delegados ao Congresso. Ou seja, caso isto fosse aprovado, os filiados perdiam a única possibilidade que ainda lhes restava, segundo os actuais estatutos, de participarem directamente na vida do partido, elegendo o/a Presidente. Isto tudo em nome de mais democracia!... Foi essa proposta que, após muitas manobras de bastidores e de difamação da Direcção Nacional, foi apresentada para ser votada na reunião da CPN de 13 de Setembro.

A proposta foi energicamente rejeitada por mim e por todos os membros, menos um, da DN, bem como por vários comissários e desafio a Mesa da CPN a divulgar aos filiados, como é devido, a acta com as declarações contundentes aí proferidas. Pessoalmente, denunciei esta manobra como uma golpada anti-democrática movida pelos principais mentores do grupo da “inteligência colectiva”, Albano Lemos e André Silva, para destituírem uma DN e um presidente eleitos directamente pelos filiados e ainda a meio do mandato, conquistando o poder mediante um Congresso convocado à pressa onde, caso a sua proposta fosse aprovada, se candidatariam à CPP e poderiam chegar à liderança sem serem eleitos por todos os filiados. Denunciei ainda a irresponsável habilidade do Albano para fazer e desfazer estatutos segundo os seus interesses do momento (ele e o André Silva estiveram no grupo de trabalho da revisão dos estatutos que cinco meses atrás previa a manutenção do/da Presidente e a sua eleição directa por todos os filiados), bem como o carreirismo do André Silva, que apresenta trabalho exterior em prol do partido mas oculta o trabalho interior de dividir para reinar. Foi por isso que eu e os outros nos demitimos, para impedir este golpe e para o denunciar, como fizemos lançando uma campanha por um referendo onde os filiados se possam pronunciar se querem ou não manter a figura do/da Presidente e a sua eleição directa por todos os filiados do PAN. Perante o fracasso da manobra, pois com a minha demissão e da DN tem de haver eleições directas para a presidência, que estão a decorrer, e perante esta denúncia, o grupo da “inteligência colectiva” apresentou a candidatura do André Silva e deu uma autêntica cambalhota, pois agora já quer eleger os 21 membros da CPP em eleições directas, mantendo a proposta de acabar com o/a presidente. Um partido sem um rosto visível e carismático é, na minha perspectiva e de muitos, um autêntico tiro no pé em termos políticos e de comunicação social, sobretudo em Portugal.

A meu ver, por detrás do grupo da “inteligência colectiva” e da candidatura do André Silva, bem como da leitura miserabilista dos resultados das Europeias e dos ataques à DN e à minha pessoa, está, contrariamente ao que é dito, a convicção de que o partido está em óptimas condições para eleger um ou dois deputados e manter a subvenção. E este cheiro a dinheiro e poder atrai irremediavelmente pessoas com ambições a ser deputados que viram que me tinham no caminho, pois comecei a denunciar com o meu habitual desassombro as suas manobras e intenções carreiristas. Devo aqui dizer que nunca ambicionei ser deputado, e que nada me seduz ficar fechado dentro da coisa chata e cinzenta chamada Assembleia da República, mas que me disponibilizei para tal porque sei que poderia levar lá uma voz eloquente, iconoclasta e não convencional em defesa das causas do PAN, porque o partido e a Secretaria de Comunicação desde o início investiram em mim para esse fim e porque me via como a pessoa melhor colocada para ser eleita, estando convencido, sem falsas modéstias, que faria um bom trabalho e traria muito mais apoio e visibilidade para o PAN e as suas causas. Quando tudo estava reunido para que tal acontecesse, é sintomático que surjam alguns arrivistas e recém-chegados que, em nome da unidade na diversidade, na verdade estão a lançar o partido na divisão e no caos, empurrando para fora dele alguns dos históricos e dos membros mais decisivos da equipa que, em vários órgãos nacionais, contribuiu desde o início para que o PAN seja hoje uma referência respeitável na política nacional e o segundo partido de defesa dos animais a ter mais sucesso em todo o mundo, logo a seguir ao holandês, como tem sido reconhecido e enaltecido nos encontros internacionais onde tenho participado.

A cereja no topo do bolo desta falta de decência e escrúpulos surge com a informação que me chegou de que o candidato André Silva solicitou e teve recentemente uma reunião pessoal com a candidata Célia Feijão onde, com o pretexto de que eu teria um plano para acabar com ela (o que é totalmente falso), lhe propôs ou uma aliança contra uma minha eventual recandidatura ou que não hostilizasse a candidatura dele, pois queria concentrar-se no ataque à minha... Segundo consta a candidata terá recusado. Não sei se isto é verdade, tal qual, mas já nada me admira e, perante tudo o que tenho visto, parece-me até provável. Claro que tudo isto é legítimo e próprio do que habitualmente chamamos “política” em termos depreciativos, mas não era isto que intencionava e estava à espera quando ajudei a criar o PAN. Isto no fundo não é política, mas sim politiquice maquiavélica igual à ou pior do que aquela que tanto condenamos nos partidos do sistema.

É por tudo isto que não me recandidato e pondero, junto com muitos outros, se manterei ou não a filiação no PAN (as desfiliações aliás já começaram). Estou convicto que, se me recandidatasse, teria o apoio da maioria silenciosa dos filiados, mas sinceramente acho que o PAN, com as pessoas que se estão a chegar à frente e com a passividade da maioria dos filiados, não oferece condições para um trabalho minimamente saudável em prol das suas causas. A minha anterior confiança no André Silva e em muitas pessoas do grupo agora chamado “inteligência colectiva” quebrou-se totalmente, apesar de considerar que alguns estão lá bem intencionados. Olhando para as candidaturas, vejo aliás em ambas um regresso ao passado. A candidatura da Célia representa a facção mais animalista do PAN, que é legítima, mas que a meu ver é muito redutora do que o PAN pode ser e não é a melhor forma de defender a causa animal. Apesar de tudo, e das reservas que tenho em relação à candidata por questões passadas, reconheço nela uma autenticidade que me parece faltar completamente no André Silva e na sua candidatura, que pelos motivos indicados me parece transpirar hipocrisia por todos os poros. Não só pela forma como tudo isto começou, mas também pelo seu plano de acção, que é muito semelhante ao da Célia e se cola muito ao animalismo quando o André e a maioria do seu grupo não são propriamente animalistas. O plano de acção da candidatura do André Silva deixa significativamente de fora muitas das propostas mais inovadoras do PAN, no âmbito social, económico e ambiental.

Tentei fazer do PAN um projecto diferente e único em Portugal e no mundo, um projecto que trouxesse para a política nacional tudo o que houvesse de mais inovador e evolutivo no mundo e que aliasse a acção externa com a acção interna de mudança profunda das consciências, sem a qual nenhuma mudança externa é possível ou duradoura. Chamo a isso a Política da Consciência. É sintomático que isto tenha sido rejeitado pelo grupo da “inteligência colectiva”, que pelos vistos se sente incomodado com voltar a atenção para dentro e ver quais as verdadeiras intenções que os movem. É sintomático que, num partido que diz pretender mudar o paradigma da política e da civilização, surjam pessoas com uma concepção tão estreita, convencional e conservadora da política, que a reduz à busca de reformas pontuais, eventualmente mediante alianças com os partidos do poder, e que têm de um partido uma visão empresarial, em que o que conta são resultados imediatos e meramente quantitativos, sem sensibilidade para mudanças culturais e mentais mais profundas (apesar de o PAN também estar a ter resultados eleitorais mais do que interessantes e muito rápidos, de fazer inveja a qualquer pequeno partido em qualquer parte do mundo). Como disse na minha declaração de 13 de Setembro, o PAN está a ser colonizado por burocratas, especialistas em estatutos, regulamentos e formalidades à medida dos seus interesses flutuantes, mas completamente desprovidos de Alma. Foi todavia a Alma que nos trouxe os resultados de 2011 e sem ela não vamos a lado algum. Infelizmente, se no último Congresso defendi um partido com uma perna e um braço no sistema, mas com a outra perna, o outro braço e sobretudo a cabeça e o coração de fora, vejo hoje um PAN que, mesmo antes de eleger deputados, já se inclina para estar todo dentro do sistema.

A minha paciência esgotou-se e não quero ser cúmplice de um partido igual aos outros. Porventura sou eu e outros que estamos errados e fomos ingénuos, pois a essência da política partidária talvez seja precisamente esta mediocridade e falta de ética. Como também disse em 13 de Setembro, a lógica partidária é perversa e puxa pelo lado pior das pessoas, o que aplico primeiro que tudo a mim mesmo, pois sinto-me hoje bem pior do que antes de entrar nesta aventura.

Retiro-me assim do PAN para ter tempo, energia e discernimento para lutar pelas causas do PAN, como já o fazia antes do PAN, mas fora de qualquer partido e bem longe da política convencional. Retiro-me do PAN para fazer o que já fazia antes do PAN e sempre farei: intervir social e civicamente em prol de uma sociedade mais desperta, fraterna e solidária com todos os seres, humanos e animais, e com a Terra. Retiro-me do PAN para intervir publicamente, mas a partir da espiritualidade e da cultura, as duas maiores forças de transformação das consciências, das quais dependem reais e genuínas mudanças em todos os outros níveis: sociais, jurídicos, económicos e políticos. Vejo mais claramente hoje que, para a grande mudança que importa, os partidos políticos não só não são necessários como constituem um obstáculo. Defendi que o PAN fosse um “partido inteiro”, mas vejo hoje que é cada vez mais um partido todo partido por aqueles mesmos que hipocritamente dizem querer uni-lo.

Não estarei inactivo, contrariamente àquilo de que me acusam os que dizem que só medito. A esses, desafio-os a terem a coragem da poderosa acção interior que é meditar e a mostrarem uma vida tão cheia de coisas feitas, incluindo (com outros que comigo também saem) deixar-lhes um partido para poderem galgar os degraus do poder ilusório a que cegamente aspiram. É precisamente na meditação que encontro a força e a energia que me move e o desapego com que deixo para trás tudo o que já não faz sentido.

Tenho um sentido de missão e vários projectos para o Portugal e o mundo mais despertos que sempre defendi. Em breve os tornarei públicos, alguns dos quais no âmbito do Círculo do Entre-Ser, associação filosófica e ética de que sou um dos fundadores e à qual neste momento presido, que visa promover em Portugal e no mundo uma cultura da interdependência de todos os seres e da compaixão activa, baseada numa espiritualidade laica e na atenção plena a si e aos outros. Procuro por exemplo um espaço e apoios para uma escola diferente, uma escola de transformação das consciências. Que aqueles que em mim confiaram e confiam saibam que não desisto. Se o PAN não tem condições para ser factor da mudança urgente, se o PAN perde o comboio da inovação e da criatividade, se o PAN se demite do futuro já presente, há muita e toda a Vida para além do PAN.

Saudações fraternas

Paulo Borges

21.10.2014


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Somos cada vez mais amputados emocionais e sensoriais

Cada vez mais pensamos, vemos e ouvimos. Cada vez menos sentimos, tocamos, cheiramos e saboreamos. Dizemos: já pensaste, já viste, já ouviste?, mas raramente: já sentiste, já tocaste, já cheiraste, já saboreaste? Somos cada vez mais amputados emocionais e sensoriais:

“Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. “Viste aquilo?”, “já ouviste a última do...”: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir”

- José Tolentino Mendonça, A Mística do Instante. O tempo e a promessa, Prior Velho, Paulinas Editora, 2014, p.22.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Somos demasiado limitados. A urgência de uma espiritualidade laica e de uma política da atenção plena

“O mundo que nos rodeia é completamente sonoro e, dessa paisagem de imensidão, o ouvido humano capta apenas uma parte. Tomando como referência a audição humana, chamamos infrassons aos sons de frequência inferior a 20 hertz (a frequência mais grave que captamos). Apesar do homem não conseguir ouvi-los, um elefante colhe-os facilmente e sem ter de encostar a orelha à terra, pois as suas patas captam igualmente ondas sonoras. Designamos também ultrassons aos sons para nós inaudíveis por terem frequência acima de 20 000 hertz (a frequência mais aguda a que chegamos). Contudo, um cão ou um gato ouvem o dobro desse limite, a nosso lado”

- José Tolentino Mendonça, A Mística do Instante. O tempo e a promessa, Prior Velho, Paulinas Editora, 2014, p.30.

Somos demasiado limitados, em termos sensoriais e mentais. Só captamos da realidade o pouco que podemos, porque é o pouco que nos interessa para satisfazer o nosso egocentrismo utilitário e o nosso grosseiro instinto de manipulação e sobrevivência. É essa a raiz profunda de todos os nossos problemas, mentais, sociais e ambientais. É por isso que a macropolítica convencional nada muda. É por isso que é urgente uma micropolítica da consciência, uma política da abertura e expansão da consciência e do coração, uma política da atenção plena. É por isso que é urgente uma espiritualidade laica, sem crenças, dogmas ou doutrinas. Uma espiritualidade pura e radicalmente empírica, nascida da íntima reconexão com tudo o que nos rodeia, com a imensidão sensível e invisível de cada instante.

sábado, 4 de outubro de 2014

Dia Mundial do Animal ou Dia Mundial do Escravo e da Vítima Silenciosa?

Celebra-se hoje o Dia Mundial do Animal. Se não fôssemos profundamente hipócritas devíamos chamar-lhe Dia Mundial do Escravo e da Vítima Silenciosa. Mas não, gostamos de imaginar que abolimos a escravatura, que somos todos muito evoluídos e que não são seres vivos com sensações e emoções semelhantes às nossas que escravizamos para comer os seus corpos, vestir as suas peles, explorar o seu trabalho, divertirmo-nos com o seu sofrimento em zoos, circos e arenas e promover o nosso bem-estar com a sua tortura nos laboratórios ditos científicos. E o cúmulo da hipocrisia é acharmos que vivemos em sociedades democráticas, quando uma minoria de animais humanos exerce a mais cruel das ditaduras sobre a esmagadora maioria dos animais não-humanos. Isto mostra a tirania como a essência de toda a política antropocêntrica, de direita, de centro ou de esquerda.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sentar e Ser

É significativo que “ser”, em português e castelhano, venha do latim “sedere”, que significa estar sentado, residir, ficar tranquilo, pousar, etc. Não é exagerado dizer que boa parte do estado actual das mentes e do planeta resulta de não passarmos mais tempo verdadeiramente sentados, ou seja, serenamente ligados à Terra, integrados no mundo, repousados. A incontinência e a paranóia do agir e do fazer coisas a todo o custo devastam a vida e o mundo. Sentemo-nos e Sejamos pois. Não deprimidos com a coluna dobrada e a cabeça na mão, como o Anjo da Melancolia de Durer ou O Pensador de Rodin, mas com a coluna bem direita, eixo sagrado da ligação Céu-Terra. A partir daí podemos levantar-nos e estar de pé, do latino "stare", de onde vem "estar", mas que também significa estar a favor de ou contra alguém. Mas, se nos sentarmos verdadeiramente, podemos levantar-nos mantendo-nos interiormente sentados, em repouso, sem dualidade e parcialidade, para fazer apenas o que for indispensável para o bem de todos. E voltar o mais rápido possível a sentar-nos, exterior e interiormente. Sentemo-nos e Sejamos, Irmãs e Irmãos!

Uma vida feliz

Tudo está ligado. Uma vida feliz não é possível sem uma compreensão justa da realidade e ambas não se realizam sem uma mente calma e uma conduta virtuosa na relação com todos os seres, nossos próximos. A reflexão/meditação e a ética são inseparáveis e indispensáveis no caminho para as igualmente indissociáveis sabedoria, paz e felicidade. Precisamente o contrário das expectativas dominantes – fortemente alimentadas pela indústria da publicidade - que consideram ser possível comprar a felicidade adquirindo produtos, bens e serviços sem criar as condições mentais e éticas de uma vida plena, sem ver a natureza profunda e interdependente da realidade e agir em consonância. Precisamente o contrário também do que supõe a ciência, que considera o acesso à verdade uma experiência exclusivamente intelectual, alheia ao pleno desenvolvimento humano na paz interior e na conduta virtuosa em relação aos outros seres.

- esboço de parte do primeiro volume do meu próximo livro, a sair em Outubro/Novembro, com o titulo provisório: "O Coração da Vida. Guia de Meditação e Transformação Integral - I" (Lisboa, Mahatma, 2014).

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Religião e Espiritualidade

A ver se nos entendemos. Religião, não no sentido de experiência religiosa, mas no seu entendimento institucional, supõe um corpo de dogmas e doutrinas acerca da realidade última, bem como uma moral e rituais, modos canónicos de nos comportarmos perante essa realidade e na relação uns com os outros. A religião implica crer naquilo que não se vê e experimenta directamente e a integração numa hierarquia formal de representantes e administradores da verdade, do divino ou do sagrado, que estrutura uma comunidade religiosa específica.

Espiritualidade, por seu lado, é o exercício de abertura e expansão da consciência e do coração rumo à natureza profunda das coisas e por amor a todos os seres, para além de todo o dogma e doutrina e sem outra crença senão aquela que advém da experiência directa, aqui e agora. A espiritualidade convida a uma ética da espontaneidade e da autenticidade, não a uma moral rígida. A espiritualidade pode viver-se com ou sem o apoio de rituais, dentro ou fora de qualquer religião ou comunidade religiosa específica e dispensa qualquer hierarquia formal de representantes e administradores da verdade, do divino ou do sagrado, embora dê lugar à hierarquia natural e informal que resulta da diferença de níveis de abertura e expansão da consciência e do coração, ou seja, da visão do real e do amor por todos os seres. O que há de mais autêntico na religião é a espiritualidade, mas a espiritualidade não tem de ser religiosa. Pode ser laica, ateia ou agnóstica.

A espiritualidade é urgente.