“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

"(...) o universo é um processo criativo autoconsciente"

“Olhando mais fundo do que a dualidade de um Deus que criou o universo, mais fundo do que a dualidade de um nirvana para o qual possamos escapar de um samsara terreno, e mais fundo do que a dualidade do materialismo científico, reconhecemos que o universo é um processo criativo autoconsciente. Esta pura potencialidade criadora está também em nós. Ela pode despertar e libertar-se das limitadoras identidades e jogos da condição humana”

- John Stanley / David Loy, “At the edge of the roof: the evolutionary crisis of the human spirit”, in Spiritual Ecology. The Cry of the Earth, Point Reyes, The Golden Sufi Center, 2013, pp.45-46.

domingo, 29 de dezembro de 2013

A ilusão do eu separado na raiz de todos os aspectos da crise


“A crise que ameaça o nosso planeta, quer seja vista nos seus aspectos militares e ecológicos ou sociais, deriva de uma noção do eu disfuncional e patológica. Deriva de um erro acerca do nosso lugar na ordem das coisas. É a ilusão de o eu ser tão separado e frágil que tenhamos de delinear e defender as suas fronteiras; de ser tão pequeno e tão necessitado que tenhamos de infinitamente adquirir e consumir; e que, enquanto indivíduos, corporações, estados-nações ou espécie, possamos ser imunes ao que fazemos aos outros seres”

- Joanna Macy, “The Greening of the Self”, in AAVV, Spiritual Ecology. The Cry of the Earth, Point Reyes, The Golden Sufi Center, 2013, pp.149-150.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os princípios de uma nova civilização


“Um reconhecimento de uma aliança está a crescer entre pessoas em diferentes arenas de activismo, seja político, social ou espiritual. O acupunctor holístico e o resgatador de tartarugas do mar podem não ser capazes de explicar o sentimento, “Estamos a servir a mesma coisa”, mas estão a fazê-lo. Ambos estão ao serviço de uma emergente História das Pessoas que é a mitologia definidora de um novo tipo de civilização.

Chamar-lhe-ei a História do Entre-Ser, a Idade da Reunião, a era ecológica, o mundo da dádiva. Ela oferece um conjunto completamente diferente de respostas às questões que definem a vida. Eis aqui alguns dos princípios da nova história:

- Que o meu ser participa no teu ser e no de todos os seres. Isto vai para além da interdependência – a nossa própria existência é relacional.
- Que, portanto, o que fazemos ao outro, fazemo-lo a nós mesmos.
- Que cada um de nós possui um único e necessário dom a oferecer ao mundo.
- Que a finalidade da vida é expressar os nossos dons.
- Que todo o acto é significativo e tem um efeito no cosmos.
- Que estamos fundamentalmente inseparados uns dos outros, de todos os seres e do universo.
- Que cada pessoa que encontramos e cada experiência que temos espelha algo em nós mesmos.
- Que a humanidade está destinada a unir-se alegremente à tribo de toda a vida na Terra, oferecendo os nossos dons unicamente humanos para o bem-estar e o desenvolvimento do todo.
- Que finalidade, consciência e inteligência são propriedades inatas da matéria e do universo”

- Charles Einsenstein, The More Beautiful World Our Hearts Know is Possible, Berkeley, North Atlantic Books, 2013, pp.15-16.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

“A um nível pessoal, a mais profunda revolução possível que podemos decretar é uma revolução no nosso sentimento de eu, na nossa identidade"


“A um nível pessoal, a mais profunda revolução possível que podemos decretar é uma revolução no nosso sentimento de eu, na nossa identidade. O eu autónomo e separado de Descartes e Adam Smith chegou ao fim e está a tornar-se obsoleto. Estamos a reconhecer a nossa própria inseparabilidade, uns dos outros e da totalidade da vida. A usura desmente esta união, pois busca o crescimento do eu separado às custas de algo externo, algo de outro. Provavelmente todos os que lêem este livro concordam com os princípios da interconexão, seja de uma perspectiva espiritual ou ecológica. Chegou o tempo de a vivermos. É a hora de entrar no espírito do dom, que incarna a compreensão sentida da não-separação. Está a tornar-se abundantemente óbvio que menos para ti (em todas as suas dimensões) é também menos para mim. A ideologia do ganho perpétuo levou-nos a um estado de pobreza tão indigente que estamos ofegantes por ar. Essa ideologia, e a civilização construída sobre ela, é o que hoje está a entrar em colapso”

- Charles Eisenstein, Sacred Economics. Money, Gift & Society in the Age of Transition, Berkeley, Evolver Editions, 2011, p.139.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As razões pelas quais com o actual sistema económico jamais haverá paz para os humanos, os animais e o planeta


“Por causa do lucro, em qualquer dado momento, a quantidade de dinheiro devido é maior do que a quantidade de dinheiro já existente. Para fazer novo dinheiro a fim de manter o inteiro sistema a funcionar, […] temos de criar mais “bens e serviços”. O principal modo de o fazer é começar a vender algo que outrora era gratuito. É começar a converter florestas em madeira, música em produto, ideias em propriedade intelectual, reciprocidade social em serviços pagos.

Estimulada pela tecnologia, a mercantilização de bens e serviços inicialmente não-monetários acelerou ao longo dos últimos séculos, ao ponto de hoje muito pouco ser deixado fora da esfera monetária. As vastas provisões, de terra ou de cultura, foram isoladas e vendidas – tudo para acompanhar o ritmo do crescimento exponencial do dinheiro.

[...]

O imperativo do crescimento perpétuo implícito no dinheiro baseado no lucro é o que impele a implacável conversão da vida, do mundo e do espírito em dinheiro. Completando o círculo vicioso, quanto mais convertemos vida em dinheiro, mais dinheiro necessitamos para viver. A usura, e não o dinheiro, é a raiz proverbial de todo o mal.

[...]

Devido à dívida nutrida pelo lucro acompanhar toda a nova emissão de dinheiro, em qualquer momento dado a quantidade da dívida excede a quantidade de dinheiro existente. A insuficiência do dinheiro impele-nos à competição uns com os outros e remete-nos para um construído e constante estado de escassez. É como o jogo das cadeiras, em que nunca há espaço suficiente para que todos estejam seguros. A pressão da dívida é endémica ao sistema. Enquanto alguns podem pagar as suas dívidas, o sistema global requer um geral e crescente estado de endividamento.

A constante e subjacente pressão da dívida significa que haverá sempre pessoas inseguras ou desesperadas – pessoas sob pressão para sobreviver, prontas a abater a última floresta, apanhar o último peixe, vender a alguém sapatilhas, liquidar seja qual for o capital social, natural, cultural ou espiritual ainda disponível. Nunca poderá haver um tempo em que atinjamos o “suficiente” porque, num sistema de dívida baseado no lucro, o crédito não apenas troca “bens presentes por bens no futuro”, mas bens presentes por mais bens no futuro. Para servir a dívida ou apenas para viver, ou tiramos a riqueza existente de uma outra pessoa (daí, a competição) ou criamos “nova” riqueza extraindo-a das provisões comuns”

- Charles Einsenstein, Sacred Economics, Berkeley, Evolver Editions, 2011, pp.100-103.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal


És deveras tu a mais excelsa Árvore
que de glória e espanto nimbada
no íntimo de cada lar
ergues e iluminas

Tu que, sagrado e primordial,
de ti despido
desde sempre e para sempre
Céu e Terra abraças

Em ti o ouro e a prata eternos brilham
as velas se acendem
fulvas as estrelas cintilam

Em ti circula a seiva das coisas
o Dom
a anónima Alegria que perpassa
abrindo a mão que dá e a que recebe
no fulgor da mais pura graça

Em ti se acende a Luz
que súbita a noite ilumina
e tão mais brilha
quão menos se apercebe

És tu que na gruta do Coração
no presépio de cada instante eterno nasces
entre o bafo e a adoração do mundo
e os coros celestiais

Tu que trazes o universo no coração
e com ele infante a sorrir brincas
suspenso, irradiante e puro
a dançar na palma da mão

Pois em ti
nu, inocente e mudo
o tempo ainda não é
e já finda

Em ti
adamantino tudo a florir ressuscita
da ilusão de haver distância

És esplendor, prodígio e maravilha
Promessa, Anúncio e Presença

Festa

Todo o Mundo e Ninguém

Natal


24.12.2008 – 24. 12.2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

Feliz Natal para todos os seres!


Natal. Sob pretexto da comemoração do nascimento de um mensageiro da consciência, da paz e do amor, a maioria dos humanos prepara-se para sacrificar alegremente milhões de animais que como nós amam a vida como o mais precioso bem, enquanto já se precipita no frenesim do consumo lançando para um planeta à beira do colapso mais toneladas de lixo que vai levar centenas e milhares de anos a reabsorver e é cúmplice da exploração do trabalho escravo nos países do Sul e do Este. São estas as prendas e o exemplo que deixamos para as gerações futuras. Os grandes grupos económicos agradecem. E tudo para na ressaca do grande festim ficarmos tão tristes, insatisfeitos e vazios como sempre.

É verdade que se vive o Solstício de Inverno, a morte e o renascimento da Vida, que desde sempre foi celebrado com grandes festas, troca de presentes e rituais de inversão dos valores. O Natal de hoje foi um Carnaval na antiguidade, de onde vieram as Festas dos Loucos medievais que ainda se celebravam nas igrejas até serem proibidas pela hierarquia eclesiástica que nelas se via fortemente contestada. É verdade que no Natal se recupera o sentimento de festa, comunidade, generosidade e dom de que a modernidade nos privou, com o novo obscurantismo do progresso pelo trabalho, pelo individualismo, pela ganância e pela eficiência competitiva. É verdade que no Natal os corações se abrem e recordamos que os outros existem. E isso é belo e bom. Mas a festa, a comunhão e a abundância não implicam sacrificar outros seres nem atolar-nos com mais coisas de que não precisamos de todo. A verdadeira festa, comunhão e abundância são as do Coração aberto, fraterno e desperto, que a cada instante abraça tudo e todos. Então todos os dias é Natal, ou seja, Nascimento em nós da eterna Criança amorosa que nos habituámos a esquecer, mas que no fundo sempre somos.

Neste Natal não ponhas vidas mortas na tua mesa. A Vida é só uma e todos os seres são de ti inseparáveis. Neste Natal dá-te à Luz e renasce irradiante do túmulo da vida mesquinha.

Feliz Natal!

sábado, 21 de dezembro de 2013

“A comunidade do futuro emergirá das necessidades que o dinheiro por inerência não pode satisfazer”



- Charles Eisenstein, Sacred Economics, 2011, p.79.

"Temos vivido numa Idade de Separação"


“Temos vivido numa Idade de Separação. Um a um, dissolveram-se os nossos laços com a comunidade, a natureza e o lugar, abandonando-nos num mundo estranho. A perda destes laços é mais do que uma redução da nossa riqueza, é uma redução do nosso próprio ser. O empobrecimento que sentimos, isolados da comunidade e da natureza, é um empobrecimento das nossas almas. Isto porque, contrariamente ao que assume a economia, a biologia, a filosofia política, a psicologia e a religião institucional, nós não somos na essência seres separados que têm relações. Nós somos relação”

- Charles Eisenstein, Sacred Economics. Money, Gift & Society in the Age of Transition, Berkeley, Evolver Editions, 2011, p.49.

Não tenhas os pensamentos por teus

Não tenhas os pensamentos por teus
Contempla-os como nuvens irreais
Assim contemplarás, imortal,
a tua própria morte

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Canto as coisas selvagens

Canto as coisas selvagens,
as rosas vivas a romper os túmulos,
os beijos agrestes sobre as falésias,
os pôr-de-sois em sangue a incendiar o mundo
Canto o teu coração livre a voar na ponta da mais branca asa

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

“Como nos negócios, as instituições políticas e religiosas precisam retornar às suas raízes espirituais, tal como os movimentos de justiça ambiental e social"


“Como nos negócios, as instituições políticas e religiosas precisam retornar às suas raízes espirituais, tal como os movimentos de justiça ambiental e social (…). Neste momento a maioria dos movimentos de mudança social concentram-se em campanhas negativas. Apresentam cenários de tristeza e melancolia e tornam-se espelhos das instituições que criticam (...) O amor da natureza e o valor intrínseco de toda a vida, humana e não humana, é a base essencial em que os movimentos de justiça ambiental e social precisam ser enraizados. A base de todo o movimento é a reverência pela vida, e esta é uma base espiritual. Não há contradição entre a campanha política pragmática e uma visão espiritual. O programa político de Mahatma Gandhi foi fundado em valores espirituais. O Movimento dos Direitos Civis de Martin Luther King estava enraizado numa visão espiritual. Os movimentos de justiça ambiental e social contemporâneos também exigem um visão do mundo ampla, em vez de se limitarem à ciência ecológica e às ciências sociais”

- Satish Kumar, Elegant simplicity is the way to discover spirituality.

"Em resumo: vazio interior – consumismo – fosso ecológico – fosso social”


“Os três fossos [espiritual-cultural, ecológico e sócio-económico] que compõem a superfície de sintomas [da crise] estão extremamente entrelaçados. Por exemplo, a perda de sentido na vida e no trabalho (o vazio interior) é frequentemente preenchido com mais consumo material (consumismo), o qual aprofunda o fosso ecológico por um maior esgotamento de recursos. A intensificação do fluxo da corrente de recursos naturais dos países em vias de desenvolvimento para os países desenvolvidos, e o fluxo das correntes de desperdício em sentido oposto, conduz por sua vez a um aprofundamento do fosso social. Em resumo: vazio interior – consumismo – fosso ecológico – fosso social”

- Otto Scharmer / Katrin Kaufer, Leading from the Emerging Future. From ego-system to eco-system economies, São Francisco, Berret-Koehler Publishers, 2013, p.40.

O coração é desde sempre livre dos falsos limites da pele e do pensamento


Não estamos limitados pela pele nem pelo pensamento. Somos tudo e todos. Mas só reconhecemos ser o que amamos. Amemos pois tudo e todos. Mesmo aqueles que não amam. Pois se os não amarmos seremos o seu desamor e se os amarmos eles em nós amarão. Somos tudo e todos. O coração é desde sempre livre dos falsos limites da pele e do pensamento.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Oito pontos para um encontro e um diálogo inter-religiosos mais plenos


O mundo chegou a um ponto de mutação e exige um novo paradigma em todas as áreas do pensamento e da acção, que constitui um enorme desafio para as consciências e líderes espirituais e religiosos do nosso tempo. Eis o que me parecem ser os pontos fundamentais desse desafio:

1 – Compreender e experimentar que o divino, o absoluto ou realidade última assumido por cada tradição e comunidade religiosa transcende igualmente a todas, como o seu fundo comum, não sendo posse exclusiva ou privilegiada de nenhuma delas.

2 – Compreender e experimentar que esse mesmo divino, absoluto ou realidade última transcende inequivocamente todas as formas de representação (imagens, palavras, conceitos, acções) e portanto todas as doutrinas teológico-filosóficas e práticas litúrgicas que o visem, não podendo reduzir-se a qualquer dogma ou ritual, sob risco de se cair na idolatria, trocando-o pelo endeusamento daquilo que a seu respeito o ser humano imagina, concebe, diz e faz.

3 – Compreender e experimentar que daí decorre haver muitas vias e experiências que podem disponibilizar os seres humanos para acederem a esse divino, absoluto ou realidade última, não apenas as religiosas ou mesmo espirituais, mas também outras, incluindo as de quem se veja como ateu ou agnóstico.

4 – Compreender a partir daí a centralidade e urgência do encontro e do diálogo interculturais e inter-religiosos, mas abertos a um encontro e diálogo mais amplos com agnósticos e ateus. Compreender que todos podem aprender com todos e que em cada via religiosa tanto mais se progredirá no caminho para o divino, absoluto ou realidade última quanto mais o viajante se abrir à compreensão e ao respeito de outras vias, caminhos e modos de caminhar, religiosos ou não, para o mesmo destino. Compreender também que toda a forma de encontro e de diálogo intercultural e inter-religioso se deve fundar em algo de mais profundo e radical, o silêncio transcultural e trans-religioso, do qual pode surgir a escuta atenta do outro - não como estranho ou alheio, mas como irmão - e a palavra meditada e verdadeira. Compreender que o mais importante da religião é a espiritualidade, transversal a crentes e não-crentes, e que a espiritualidade – ou seja, a expansão fraterna da consciência - reside no âmago de toda a experiência humana, não só naquelas rotuladas como “religiosas” ou “espirituais”.

5 – Compreender e experimentar que o divino, o absoluto ou a realidade última se manifesta igualmente, embora de diverso e singular modo, em todos os seres e coisas, estando integralmente presente em tudo quanto existe. Compreender que a esta luz todos os seres e fenómenos são sagrados, sendo preciosas epifanias da natureza primordial de tudo, e que todas as hierarquias tradicionalmente concebidas entre os seres são sempre relativas a pressupostos, perspectivas e critérios humanos e não inerentes ao mundo visto a partir desse divino, absoluto ou realidade última, como acontece nas mais profundas experiências espirituais. Compreender que todos os seres estão interligados no seio do divino, absoluto ou realidade última, que todos são próximos, íntimos e inseparáveis e que todos possuem um valor intrínseco e não instrumental. Compreender e experimentar que tudo quanto existe é a própria expressão gloriosa do divino, absoluto ou realidade última, que o unimultiverso é sagrado e que o desencantamento do mundo nunca se deu, sendo apenas o desencantamento da mente que transitoriamente perdeu a capacidade de percepcionar e sentir a abissal e íntima profundidade de tudo.

6 – Compreender que a partir daí não há nenhuma via para o divino, absoluto ou realidade última que não exija uma ética global, de respeito, reverência e cuidado integrais por todas as formas de vida, humanas e não-humanas, bem como pelos ecossistemas e pela natureza dos quais todas essas vidas dependem e que são igualmente manifestações plenas e exuberantes desse divino, absoluto ou realidade última.

7 – Compreender que toda a via para o divino, absoluto ou realidade última é incompatível com a cumplicidade, alheamento, indiferença ou desconsideração a respeito da discriminação, opressão e exploração a que sejam sujeitos quaisquer seres, enquanto manifestações e ícones vivos desse divino, absoluto ou realidade última. Compreender e praticar a necessidade de que a espiritualidade e a religião se exerçam na denúncia e no combate não-violento contra todas as formas dessa discriminação, opressão e exploração: religiosa, cultural, étnica, sexual, especista, social, económica e política. As comunidades espirituais e religiosas devem unir a sabedoria, o amor e a compaixão, a contemplação e a acção, promovendo novas formas de intervenção no mundo, fundadas na descoberta da paz interior, da calma e da clareza mentais e espirituais mediante as práticas contemplativas e meditativas. Os líderes e as comunidades espirituais e religiosas devem convergir e unir-se para este fim, criando também plataformas de reflexão e acção convergentes com grupos e movimentos laicos da sociedade civil no sentido da transformação urgente que o novo ciclo cultural e civilizacional de todos pede.

8 – Compreender que as consciências e os líderes espirituais e religiosos devem ser sempre os primeiros exemplos da mudança que querem ver no mundo, mantendo um espírito aberto, fraterno, altruísta e desinteressado, sem apego à riqueza material, ao poder, à fama e ao prazer. Compreender que o verdadeiro líder é aquele que se apaga no divino, absoluto ou realidade última e convida todos a fazerem o mesmo, descobrindo que a verdadeira liderança é em todos a do espírito divino ou a da consciência desperta.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A maior perda: a do imperdível

O unimultiverso é o corpo vivo de “Deus” ou da Realidade última e cada ser e fenómeno são um ícone vivo, portentoso e único do todo e do infinito, que se manifesta como pedras-plantas-animais-humanos-deuses. Cada coisa é todas as outras e mais sagrada do que todos os deuses, sábios e santos em todos os templos e altares. Experimentar isto é experimentar que se é isto. Não experimentar nem sequer compreender isto é a maior perda: a do imperdível.

O mito da separação entre nós e os outros é mortal


“Enquanto o fosso ecológico se baseia numa separação entre o eu e a natureza e o fosso social numa separação entre o eu e o outro, o fosso espiritual-cultural reflecte uma separação entre o eu e o Si – isto é, entre o nosso actual “eu” e o futuro “Si” emergente que representa o nosso maior potencial. Este fosso é manifesto em valores rapidamente crescentes de esgotamento e depressão, que representam o crescente abismo entre as nossas acções e quem nós realmente somos. De acordo com a World Health Organization (WHO), em 2000 morreram por suicídio mais do que o dobro das pessoas que morreram em guerras”

- Otto Scharmer / Katrin Kaufer, Leading from the Emerging Future. From ego-system to eco-system economies, São Francisco, Berret-Koehler Publishers, 2013, p.5.

Agostinho da Silva - Um pensamento vivo

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"Precisamos de uma espécie de despertar colectivo"


“Precisamos de uma espécie de despertar colectivo. Há entre nós homens e mulheres que estão despertos, mas não é suficiente; a maioria das pessoas ainda estão a dormir. Construímos um sistema que não podemos controlar. Ele impõe-se a nós e tornamo-nos os seus escravos e vítimas. Para a maioria de nós que querem ter uma casa, um carro, um frigorífico, uma televisão e assim por diante, temos de sacrificar o nosso tempo e as nossas vidas em troca. […] Criámos uma sociedade na qual os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres e na qual estamos tão apanhados nos nossos problemas imediatos que não nos podemos conceder estar conscientes do que é que se passa com o resto da família humana ou com o nosso planeta Terra. No meu espírito vejo um bando de galinhas numa gaiola lutando por umas poucas sementes de cereal, inconscientes de que dentro de poucas horas serão todas mortas”

- Thich Nhat Hanh, The Bells of Mindfulness, in Spiritual Ecology. The Cry of the Earth, 2013, p.26.

"(...) ler as cartas de amor mandadas pelo vento e pela chuva, pela neve e pela lua"


"Todos os dias, sacerdotes examinam minuciosamente a Lei e cantam infinitamente sutras complicados. Contudo, antes de fazerem isso, deveriam aprender como ler as cartas de amor mandadas pelo vento e pela chuva, pela neve e pela lua"

- Ikkyu

Tempo de Antena PAN 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Despertemos e veremos que não há solução, porque não há problema

Todos os problemas e sofrimentos com que a humanidade milenarmente se confronta, e que a tornam a mais terrível predadora de si mesma, dos seres vivos e do planeta, assentam num equívoco fundamental: o de julgarmos existir separados dos outros e do mundo, o de haver uma brecha entre nós e a realidade, o de trazermos um vazio e uma carência na alma. É por isso que passamos o tempo das nossas vidas a tentar dramática e angustiadamente preencher esse vazio e suprimir essa carência com todo o tipo de coisas: poder, riqueza, prazer, fama, sexo, distracções, tecnologia, ciência, religião, arte, literatura, cultura, espiritualidade, filosofia, moral, política, etc. Mas tudo isso, se for procurado com esta atitude, só gera mais ilusões e dependências que nos deixam sempre mais frustrados, pois nada disso resulta. E nada disso resulta porque jamais houve realmente qualquer separação, brecha, vazio ou carência. Nunca deixámos de ser plenos, vastos e infinitos como o universo. Apenas deixámos de o experimentar, neste sonho da consciência a dormir embalada nas crenças socialmente dominantes. Despertemos pois e veremos que não há solução, porque não há problema.

Mas antes, durante e depois do despertar não esqueçamos quem dorme e os pesadelos por que passa: fome, sede, violência praticada e sofrida, pobreza e apego à riqueza, tortura física, emocional e mental. Sejamos despertos e solidários, sábios-compassivos, em relação a todos os seres. Acudamos a pôr fim a todo o sofrimento, por todas as vias possíveis, mas saibamos que o melhor que podemos oferecer a alguém é o estímulo-convite ao despertar da consciência para a plenitude que desde sempre e para sempre nos habita.

Ética e ecologia


“[…] tanto a ética como a ecologia pressupõem um habitar, no primeiro caso, humano, no segundo inerente a todos os seres vivos, que se dá num solo comum - a natureza e o mundo – e que se constitui mediante a relação mútua entre aqueles que habitam, mediada pela instância onde habitam. A questão está em saber se a semelhança deverá ou não ser levada até à identidade, ou seja, se a ética se deverá reduzir à ecologia e o homem ao estatuto de um qualquer outro ser natural, como pretende a “ecologia profunda”, ou se este, de algum modo, transcende a economia do todo, reclamando, para si, um estatuto à parte.

Mais uma vez, é a categoria de responsabilidade que permite resolver este dilema acerca do tópos humano, dado que apenas enquanto responsável pode o homem habitar na natureza e cohabitar com os outros seres vivos, ao mesmo tempo que a transcende, de modo a decidir sobre a melhor forma de preservar harmoniosamente essa cohabitação”

- Cristina Beckert, Ética, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012, pp.153-154.

Liberdade política sem liberdade económica?


"A liberdade política é perfeitamente ilusória enquanto não se tem liberdade económica, pela coacção exercida por quem dispõe dos meios de produção, de transporte e de crédito"

- Agostinho da Silva.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mãe, Irmã e Amante Nossa (uma versão feminina - feminista? - do Pai Nosso)



Mãe, Irmã e Amante nossa, que estais em toda a parte,
Sagrada, amada e fecunda seja a vossa matriz,
Venha a nós o vosso êxtase,
Seja nossa a vossa liberdade
Assim na Terra como no Céu.
O maravilhado espanto de vossa desmesura nos dai hoje e sempre.
Libertai-nos da ilusão de existirmos
Assim como nós nos libertamos de serdes outra
E não nos deixeis cair em dualidade,
Mas livrai-nos do bem e do mal.
Ámen.

"...português, na sua plena forma brasileira"


"(…) Claro que sou cristão, e outras coisas, por exemplo budista, o que é, para tantos, ser ateísta; ou, outro exemplo, pagão. O que, tudo junto, dá português, na sua plena forma brasileira. (…)"

- Agostinho da Silva

"O que conta na vida não é o facto de termos vivido. É a diferença que fizemos para a vida dos outros" - Nelson Mandela

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Uma economia que destrói tudo


"(…) É uma economia do trabalho, da produção, (…) que toma conta da terra, das plantas, dos animais, dos homens, de tudo"

- Agostinho da Silva, Vida Conversável.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Independência, dependência ou interdependência de Portugal? Sobre o 1º de Dezembro



Tudo mudou. Comemora-se hoje o 1º de Dezembro, que passou a ser o dia da Dependência de Portugal. E é um não feriado, pois estamos também todos cada vez mais dependentes do trabalho escravo para os novos senhores do mundo. Sim, Portugal não é independente. Está colonizado. Pela Troika e pelos grandes blocos económico-financeiros mundiais, que desde há muito movem os cordelinhos das marionetas chamados governos portugueses.

Estamos colonizados como outrora fomos colonizadores. Na verdade só colhemos o que semeamos. Na Índia chamam “karma”, que nada tem a ver com destino, mas sim com “acção” criadora(a palavra tem a mesma raiz de “criar”) e seus resultados. Há 500 anos colonizámos,explorámos e escravizámos. Até 1974. Hoje somos colonizados, explorados e escravizados. E temos a sorte de ainda assim serem muito mais brandos connosco do que fomos com os indígenas de todas as latitudes.

Por outro lado, nunca fomos independentes, mas apenas menos dependentes. Nenhum humano, povo ou nação alguma vez foi independente. Todos fomos, somos e seremos interdependentes. Portugal foi sempre interdependente das múltiplas relações culturais,políticas e comerciais que manteve desde a fundação. E a partir da expansão marítima tornou-se cada vez mais dependente da cobiça que o fez abandonar o cuidado da terra natal para viver sucessivamente à custa do comércio do Oriente, das minas e dos escravos de África, do ouro do Brasil e, finalmente,dos subsídios europeus. Que enriqueceram uns poucos e lançaram na pobreza a maioria.

Agora estamos como estamos. Até que mudemos o “karma”, ou seja, até que mudemos a nossa atitude perante a vida e o mundo e o nosso agir. Sofridas as consequências dos erros que cometemos, há que não os repetir. Se durante cinco séculos causámos o sofrimento de tantos povos, matando, escravizando e explorando, façamos hoje o contrário. Ocupemos a primeira linha da solidariedade activa com todos os seres humanos de todos os povos, com todos os seres vivos e com o planeta. Ocupemos a vanguarda da defesa dos direitos humanos, dos animais e da Terra. Estejamos na frente da busca de alternativas a esta civilização violenta por cuja globalização fomos os primeiros responsáveis. E ocupemo-nos por fim do nosso rectângulo.Façamos deste país uma terra de cultura ética e universalista, desenvolvimento interior, justiça social, resiliência, sustentabilidade económica e consciência ecológica, regressemos aos nossos campos e mares, desenvolvamos as energias renováveis e estabeleçamos uma democracia participativa que nos liberte de uma classe política corrupta. Estejamos preparados para a falência do Euro ou da própria União Europeia e saibamos viver melhor com menos. Sejamos menos dependentes,sem a ficção de sermos independentes. Vivamos uma feliz interdependência com todos os povos, culturas e nações e prezemos a relação, não só e não necessariamente com os que falarem a mesma língua, mas com aqueles que forem mais sábios, éticos e justos. Sejamos cidadãos de todo o mundo, com os pés bem implantados nesta terra e o espírito-coração abertos a todo o universo.

A única missão de Portugal, de todas as nações e de todos os humanos é Despertar a consciência eo coração para o bem comum de todos os seres vivos. É a isso que Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva chamaram “Quinto Império”, que não é outro império senão oda consciência desperta e do bom coração. Como escreve Fernando Pessoa no final da “Mensagem”:

É a Hora!

Valete, Fratres (Saúde,Irmãos)!

Paulo Borges

1 de Dezembro de 2013