“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Política da consciência e mudança de paradigma, 1 de Novembro, 18.30

"Política da Consciência e Mudança de Paradigma"

Uma proposta para uma mudança radical da política convencional.

Palestras e debate com Paulo Borges e Daniela Velho (presidente e vice-presidente da Direcção Nacional do PAN)

O primeiro de um novo ciclo de PANdebates com novos temas a anunciar em breve.

Na sede nacional do PAN, Rua Anchieta, nº5, 4º esq., em Lisboa (ao Chiado)

Entrada livre e limitada a 40 pessoas

Os PANdebates terão uma periodicidade mensal. Reserve o seu lugar, através do geral@pan.com.pt ou 213426226.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Agostinho da Silva, Fernando Pessoa e a Mensagem em Setúbal

Em Torno de Agostinho da Silva

II Ciclo de tertúlias na Casa Bocage
Rua Edmond Bartissol 12, Setúbal
2 Novembro, 16h

"Agostinho da Silva e a Mensagem de Fernando Pessoa”, por Paulo Borges

Lançamento do livro: "É a Hora! A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa", de Paulo Borges

domingo, 27 de outubro de 2013

Paulo Borges: "Animais sentem a tristeza e a alegria"

Paulo Borges: "Animais sentem a tristeza e a alegria"

O que fica da ideia de "progresso" perspectivada à escala planetária?

Segundo um estudo do Professor Phillip Harter, da Stanford University, se considerássemos toda a população da Terra como um aldeia de apenas 100 pessoas, a sua composição seria a seguinte:

57 seriam asiáticos.
21 europeus
14 americanos (do Norte e do Sul)
8 africanos
30 brancos
70 não brancos
6 possuiriam 59% da riqueza do mundo (e seriam norte-americanos)
80 viveriam em condições infra-humanas
70 seriam analfabetos
50 sofreriam subnutrição 
1 teria educação universitária
1 possuiria computador

Comentários? O que fica da ideia de "progresso" se perspectivada à escala planetária?

sábado, 26 de outubro de 2013

O vegetarianismo e o verdadeiro heroísmo, o do amor

"Dobrámos o cabo das Tormentas, escravizámos o índio, e ameaçando a terra, o mar e o mundo, tudo calcámos victoriosos e em nossos triunfos nos glorificámos. Se porém me fosse dado escolher entre a sorte do vencedor e a do vencido, diria, com pena de incorrêr em acusação de traição ao amor da pátria, que a todas as nossas glórias, que são muitas, sem embargo, e brilhantes, eu preferiria que como na Índia do seculo XVIII, trez milhões de portuguezes tivessem a coragem, que o índio teve, de preferirem morrer de fome a matar os animais seus companheiros e seus servos e amigos.

Não sei de maior grandeza na história. Não sei de exemplo de mais sublimada moralidade duma raça, de mais grandiosa, perfeita e absoluta imolação ao amor, a este amor que é a essência da vida, a razão de ser da nossa existência, o padrão único por que se póde aferir a grandeza humana, «o comêço de todo o pensamento digno d'este nome» na feliz expressão de Carlyle.

Heroísmo por heroísmo, o d'esses vencidos que maltratámos, foi infinitamente superior às façanhas militares de que tanto nos orgulhamos"

- Jaime de Magalhães Lima, O Vegetarismo e a moralidade das raças, Porto, Sociedade Vegetariana, 1912.

Não esperes demasiado dos outros. Sê antes o melhor que deles esperas. 

"O cume da civilização não é possuir e acumular sempre mais, mas reduzir e limitar as suas necessidades" - Gandhi 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Em que nível estamos?


Em que nível estamos?

0. A questão não se coloca por inconsciência de si e de tudo.
1. O que é o melhor para mim?
2. O que é o melhor para o meu grupo ou para os "meus", do mais estreito ao mais abrangente dos círculos: família, amigos, tribo, empresa, clube, partido, nação, comunidade de língua e cultura, religião/comunidade de visão do mundo?
3. O que é o melhor para todos os seres humanos?
4. O que é o melhor para todos os seres na Terra?
5. O que é o melhor para todos os seres no Universo?
6. O que é o melhor para o Universo?
7. A questão não se coloca porque se é esse "Melhor", livre do conceito de o ser e de todos os conceitos anteriores.
8. A questão não se coloca pela mesma razão, mas compreendem-se e amam-se todos aqueles para quem ela se coloca em cada um dos níveis anteriores e vê-se claramente como comunicar e agir de modo a ajudar cada um a progredir nesta escala.

Do nível predominante em que estivermos, porque frequentemente oscilamos ao longo da vida e até de um dia entre vários, depende tudo o que pensamos, dizemos e fazemos, o sentimento de autorealização e a capacidade de beneficiar um círculo cada vez mais amplo de seres.

Nota: não confundir o nível 0 com o 7.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Meditar no amor e na compaixão universais


"MÉTODO DE MEDITAÇÃO

Sentemo-nos agora apenas com as nossas mentes repousando “aqui e agora”. Quando fazemos isto, primeiro que tudo temos um vislumbre do estado fresco da mente. Mas não podemos ficar muito tempo nesse estado: pensamentos começam a emergir. Quando se manifestam, em vez de tentarmos pará-los, canalizemos a energia dessas ondas de pensamento numa direcção positiva mediante o seguinte exercício. À medida que expiramos vamos desejar que aqueles seres que nos são queridos estejam felizes e obtenham as causas da felicidade. Cultivemos então a mesma aspiração não apenas em relação àqueles que nos são queridos, mas para todos os seres, sem excepção. Com cada sopro enviamos-lhes as causas de felicidade na forma de luz radiante repleta de pensamentos de amor, um grande amor por todos os seres, em todas as formas de existência.

Relaxemos agora de novo, deixando as nossas mentes repousar “aqui e agora”. Então, quando pensamentos emergirem outra vez, dirijam-nos para todos os seres que sofrem. Pensem em todas as pessoas nos hospitais, que estão doentes ou a passar por cirurgias; em todos os seres, em todas as formas de existência, que experimentam sofrimento físico ou mental e especialmente medo nos seus diferentes aspectos. Pensem em todas as pessoas que estão a morrer ou mortas e a passar por experiências que são frequentemente desagradáveis. Que estejamos conscientes de todos estes e que aspiremos do fundo dos nossos corações a que todos os seres sejam livres do sofrimento e das suas causas. À medida que expiramos, enviemos ondas de compaixão. Relaxem de novo e deixem a mente repousar “aqui e agora”.

Para concluir, dediquemos a energia positiva que acumulámos mediante a nossa pura intenção, bem como o tempo e esforço que investimos em estudar este texto e praticar, para o nosso próprio progresso e a felicidade e a paz de todos os seres vivos. Aspiremos a que todos os seres sem excepção encontrem a liberdade última. Deste modo não restringiremos a nossa energia positiva ao nosso próprio pequeno círculo; estendê-la-emos infinitamente no tempo e no espaço. Ela durará assim enquanto a infinidade dos seres no universo, até ao derradeiro, necessitar dela. A arte de dedicar o mérito muda completamente o poder de qualquer acto positivo que façamos, mesmo se consiste simplesmente em oferecer um bocado de comida a uma pessoa ou animal esfomeados"

- Taklung Tsetrul, comentário a "O Treino da Mente em Oito Estâncias", de Langri Thangpa.

A superação do sebastianismo e do messianismo em Fernando Pessoa


"Este poema ["A Última Nau"] é o primeiro de vários que assinalam claramente a importância de passar do sebastianismo para a experiência do regresso ou desocultamento de D. Sebastião no que ele simboliza, de passar da saudade, enquanto memória e esperança, para a saúde, enquanto experiência directa da plenitude, integridade e totalidade jamais perdida [1]. Pensador e proponente de um neosebastianismo em que D. Sebastião é um símbolo multidimensional e polivalente, Pessoa orienta-o para a experiência do regresso de D. Sebastião como o próprio despertar da consciência para o fundo de si mesma, ou seja, orienta-o para o fim do sebastianismo. O poeta supera a mera hermenêutica histórico-cultural do sentido do Encoberto e a mera profecia do seu regresso real ou simbólico para se tornar/desvelar o próprio Encoberto (o mesmo que aliás implicitamente assume, embora sob o signo da interrogação expectante, no único poema da Mensagem que significativamente não tem título e é escrito na primeira pessoa [2], a par do texto de interpretação das profecias do Bandarra onde anuncia que a terceira vinda do Encoberto/D. Sebastião se deu em 1888, ano do seu nascimento [3]). A partir deste poema, se outros textos não houvesse, sabemos que Pessoa se experienciou como D. Sebastião ou como o desencobrimento desse Encoberto que, na nossa leitura, é esse universal fundo sem fundo da consciência a que por isso mesmo todos têm acesso, desde que dissipem os véus que o encobrem. Como logo veremos, ao comentar o poema “D. Sebastião”, que abre a terceira parte da Mensagem, precisamente intitulada “O Encoberto”, Pessoa inverte a esperança sebástica, em que se espera passivamente que o rei regresse, vindo do exterior, na espera vivida pelo próprio rei de que alguém activamente o faça em si regressar, não como aquele que partiu, mas como “O” que simboliza e incarna [4]. Em alguns textos em prosa, Pessoa critica e distancia-se claramente dos intérpretes do “sebastianismo tradicional” que, condicionados “pelo espirito catholico, esperavam de fóra o Encoberto, aguardavam inertes a salvação externa”. Inseparável do Quinto Império, o Encoberto virá quando os humanos criarem “as forças espirituais” de onde virá esse “Imperio” que veremos ser o de um outro estado comunitário de consciência. Neste sentido, “não é de fóra, é de dentro que apparecerá D. Sebastião”, por uma particular iniciativa de cada um [5]. Como escreve o poeta-pensador: “É dentro de nós, em nós e por nosso exforço, que tem de vir, e virá, D. Sebastião. O Sebastianismo só é infecundo e estiolante quando o interpreto litteralmente, como a sperança da vinda exterior do Rei ido, vinda que, sem nosso exforço, milagrosamente nos haja de salvar” [6]. Com isto se passa de um particular avatar mítico-histórico de uma forma do messianismo universal, o sebastianismo, para o fim deste e de todo o messianismo, que se cumpre e anula nesta “hora” do despertar da consciência que pode revelar em todo e cada homem o Messias potencial que desde sempre e intimamente é"

- Paulo Borges, É a Hora! A mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2013.



[1] Cf. Paulo BORGES, Da saudade como via de libertação, Matosinhos/Lisboa, QuidNovi, 2008, pp.33-34; “Saudade e saúde. Saudar e salvar: para uma teoria das duas saudades”, in AAVV, Sobre a Saudade, coordenação de António Braz Teixeira, Arnaldo Pinho, Maria Celeste Natário e Renato Epifânio, Sintra, 2012, Zéfiro, pp.65-74; Odon VALLET, “Salut”, Petit lexique des mots essentiels, pp.232-234.
[2] Cf. o “Terceiro” dos “AVISOS”, cujo primeiro verso é “Screvo meu livro à beira-magua” – Fernando PESSOA, Mensagem, pp.85-86.
[3] Cf. Id., Obras, III, pp.652-653.
[4] Cf. Id., “D. Sebastião”, Mensagem, p.75.
[5] Cf. Id., Sebastianismo e Quinto Império, pp.72-73 e 75. Pessoa neste passo considera que as referidas “forças” “são a ansia de dominio, e a tensão de todas as potencias da alma em torno d’essa ansia” (p.73), concepção que deve ser entendida à luz de outros textos que tornam claro que se trata de um Império cultural e espiritual. 
[6] Ibid., pp.74-75.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Meditar no amor universal

"Sentemo-nos agora apenas com as nossas mentes repousando “aqui e agora”. Quando fazemos isto, primeiro que tudo temos um vislumbre do estado fresco da mente. Mas não podemos ficar muito tempo nesse estado: pensamentos começam a emergir. Quando se manifestam, em vez de tentarmos pará-los, canalizemos a energia dessas ondas de pensamento numa direcção positiva mediante o seguinte exercício. À medida que expiramos vamos desejar que aqueles seres que nos são queridos estejam felizes e obtenham as causas da felicidade. Cultivemos então a mesma aspiração não apenas em relação àqueles que nos são queridos, mas para todos os seres, sem excepção. Com cada sopro enviamos-lhes as causas de felicidade na forma de luz radiante repleta de pensamentos de amor, um grande amor por todos os seres, em todas as formas de existência"

- Taklung Tsetrul, excerto do comentário a Langri Thangpa, "As oito estâncias do treino da mente".

Carta pela Compaixão Universal


Carta pela Compaixão Universal
(Por uma Nova Cultura e uma Nova Civilização)

A professora e pensadora Karen Armstrong lançou em 2009 a Carta pela Compaixão, que teve grande repercussão, colheu muitos apoios e patrocínios institucionais e estatais, foi assinada por celebridades e pelos principais líderes religiosos mundiais e deu lugar a muitas acções pedagógicas:

http://charterforcompassion.org/

Com todo o seu imenso mérito, cremos todavia que a Carta pela Compaixão se limita aos seres humanos, não tendo em conta o imperativo que conduziu ao próprio reconhecimento de direitos iguais para todos os seres humanos: expandir a consideração ética a todos aqueles que sejam portadores de uma mesma natureza fundamental, para lá das afinidades e interesses limitados aos grupos familiares, tribais, nacionais, étnicos, culturais, políticos, económicos e religiosos. Como a ciência hoje inequivocamente reconhece , os animais não-humanos, sendo capazes de experimentar a dor e o prazer psicofisiológicos e emoções como a alegria, o sofrimento, o medo e a angústia, têm também uma natureza consciente e senciente, e logo interesses fundamentais na preservação da sua vida, integridade física, bem-estar e habitat natural, devendo portanto ser alvo de consideração e respeito pelos sujeitos racionais e éticos que são os humanos. Por este motivo, propomos aqui uma mais abrangente Carta pela Compaixão Universal, que assume também o valor intrínseco e não meramente instrumental do mundo natural. Assumimos esta Carta pela Compaixão Universal como bússola orientadora das nossas vidas e exortamos a que todos o façam, divulgando-a por todos os meios, em prol de uma urgente mudança da civilização.

1. As tradições espirituais, culturais e religiosas, a ciência contemporânea e a nossa sensibilidade reconhecem que todos os seres e ecossistemas são interdependentes na grande unidade diferenciada da vida. Não podemos separar a preservação e o bem de uns da preservação e do bem de todos. Conscientes disto e da natureza comum dos animais humanos e não-humanos, no que respeita à senciência e aos interesses fundamentais, sentimo-nos crescentemente movidos pelo amor e compaixão universais, ou seja, pela aspiração activa a que todos os seres dotados de consciência e senciência sejam felizes e estejam livres de todo o sofrimento que pudermos evitar. Conscientes da existência, das necessidades e dos interesses dos outros, assumimos a regra de ouro de toda a ética: não lhes fazer o que não gostaríamos que nos fizessem e contribuir para o seu bem, tal como gostaríamos que connosco próprios agissem. Comprometemo-nos a nunca esquecer que, além dos laços familiares e das afinidades mais imediatas, todos os seres são companheiros e parentes próximos na grande aventura da existência e da vida.

2. Reconhecemos que a interconexão de todos os seres e ecossistemas se conjuga com o valor intrínseco e não meramente instrumental de cada um e de todos. Cada ser vivo, dotado ou não de senciência, é uma manifestação singular e única do fenómeno da vida, tal como todas as formas de existência, mesmo inanimadas, constituem igualmente manifestações singulares e únicas do corpo uno e múltiplo da natureza. Conscientes disto, admiramos e respeitamos todos os seres e entidades do mundo natural, humanos e não-humanos, como sagrados, considerando-os com total respeito pelo seu modo próprio de existência e, no caso dos seres sencientes, tratá-los-emos com plena justiça e equidade, assegurando a satisfação dos seus interesses fundamentais na preservação da vida, da integridade psicofisiológica e do bem-estar, tendo em conta as suas diferenças e características próprias.

3. Sabemos que há muito caminho a percorrer neste sentido, despertando consciências e sensibilidades e mudando velhos paradigmas mentais e culturais, infelizmente ainda reproduzidos por muitos de nós, indivíduos e instituições laicas e religiosas. Apesar de muitos progressos no domínio da ética humana, animal e ambiental, a Terra é ainda hoje palco de um imenso sofrimento e destruição, que em muitos casos se agravam, provocados pela falta de consciência, amor e compaixão dos humanos no modo como tratam os seres humanos e os animais, bem como os recursos naturais da Terra da qual todos dependemos. Disto resulta um crescente mal-estar na civilização globalizada, um crescendo do stresse, da violência, da toxicodependência e da consumodependência, um aumento do fosso económico entre ricos e pobres em cada nação, entre o Norte e o Sul do planeta, entre os países ditos desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento, bem como o risco de novas guerras, convulsões sociais e um colapso ecológico sem precedentes, que alguns cientistas designam como a sexta extinção massiva da biodiversidade do Holoceno, a primeira gerada por causas humanas. Disso resulta também um autêntico holocausto da vida animal, por motivos que vão da pesca industrial à agropecuária intensiva. A indústria da carne e dos lacticínios é responsável pelo indescritível sofrimento de milhões de animais, que vivem em verdadeiros campos de concentração . Há ainda graves atentados à saúde humana e de brutal impacte ambiental. Conscientes disto, comprometemo-nos a não ser cúmplices destas práticas e a fazer desde já tudo o que pudermos para alterar esta situação, a começar pelo modo como nos alimentamos, consumimos e utilizamos os recursos naturais.

4. Estamos conscientes de que a crise global do planeta não se resolve com mais reformas superficiais e pontuais, sendo a crise de uma civilização que chegou a um ponto de mutação. Sentimos ser nossa tarefa transitar do modelo dominante de opressão e exploração desenfreada dos humanos, dos animais e da Terra, bem como de competição entre indivíduos, grupos, nações e corporações político-económico-financeiras, para um novo paradigma centrado na consciência da interdependência e no amor e na compaixão universais, que promova uma cultura da paz, da justiça e da cooperação fraterna de âmbito planetário. Isto exige preservar a diversidade cultural e sermos capazes de aprender com o melhor das culturas do planeta, com modelos mentais e de sustentabilidade ecológica alternativos. Isto exige também mudar o actual modelo de crescimento económico, substituindo-o por uma economia do bem comum, baseada na gestão racional e ética dos recursos disponíveis no planeta, na aposta crescente nas energias renováveis e no respeito integral pelos seres vivos e pelos ecossistemas. Comprometemo-nos a tudo fazer para que isto seja possível.

5. Estamos particularmente convencidos de que a necessária e urgente mutação do paradigma civilizacional exige e depende de uma profunda mutação da consciência individual e colectiva, que tem de começar por cada um de nós agora mesmo. Por isso empenhamo-nos em dirigir a atenção para o nosso íntimo, vigiar as intenções subjacentes a pensamentos, palavras e acções e pormo-nos sempre no lugar do outro, humano, animal ou mundo natural, antes de tomar decisões que o vão afectar, tal como a nós mesmos. Estamos conscientes de que isto tem de incluir os que actualmente percepcionamos, também em função dos nossos limites, como adversários, hostis ou inimigos. Esforçar-nos-emos para que as nossas decisões sejam sempre movidas pela sabedoria, pelo amor e pela compaixão e visem o maior bem comum possível.
Para que isto aconteça empenhamo-nos em promover uma cultura da expansão da consciência, que alguns chamam espiritualidade, que pode ser laica e não religiosa, baseada em valores transversais a crentes, ateus e agnósticos, como o amor, a compaixão, a solidariedade, a generosidade, a paz e a justiça. Importa que essa cultura, orientando a mente para o bem comum de todos os seres e do planeta, seja o centro de uma nova educação e se reflicta em todos os níveis dos sistemas de ensino. Há que formar novas gerações de cidadãos conscientes e responsáveis que se empenhem numa nova intervenção social, cívica e política, radicalmente não-violenta e movida pela sabedoria, amor e compaixão universais. Deles surgirão novas pessoas que ocuparão os novos centros de decisão política, económico-financeira e administrativa, assumindo responsabilidades institucionais e governativas em prol do bem comum global. Para tal parece-nos essencial transitar da democracia representativa para a participativa, assegurando aos eleitores mecanismos de fiscalização eficaz dos eleitos. Estamos conscientes da urgência de novas formas de liderança e exercício do poder, o mais descentralizadas e partilhadas possível. O poder é um serviço e uma responsabilidade, não um usufruto movido por interesses pessoais e de grupos. Estamos decididos a redignificar a política, emancipando-a dos poderes económico-financeiros, vinculando-a à cultura da expansão da consciência e pondo-a ao serviço de uma ética do bem comum de todos os seres e da Terra.
Apesar da aparência preocupante e caótica do estado actual do mundo, estamos decididos a não nos deixarmos dominar pela tristeza, desalento, desespero, angústia ou agressividade. Somos já milhões em toda a Terra a construir esta nova realidade nas nossas vidas, com alegria e confiança nos imensos resultados benéficos já evidentes. Com o eloquente exemplo destes benefícios, e da nossa acção baseada na paz, na alegria e na confiança, sabemos que cada vez mais consciências despertam e despertarão para esta profunda mudança.

***

Se concordas com os princípios desta Carta, assina-a e divulga-a por todos os meios, traduzindo-a para a tua língua, partilhando-a por correio electrónico e pelas redes sociais, imprimindo-a e afixando-a na tua escola, local de trabalho ou noutros espaços públicos. Organiza também grupos de reflexão e sessões para a sua leitura e debate. Todos necessitamos de todos para a urgente mudança global. O bem do planeta e dos seres não pode esperar mais. Sê desde já a diferença que queres ver no mundo.

Bem hajas!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

“Em resumo: impõe-se uma reforma profunda da sociedade portuguesa"


“Em resumo: impõe-se uma reforma profunda da sociedade portuguesa; o primeiro passo para essa reforma é a criação de um espírito público organizado e actuante, que termine o divórcio tradicional da alma da Grei e dos seus governos; ora, todas as forças progressivas de uma sociedade; todos os seus ideais de aperfeiçoamento; todos os seus anseios de humanidade, vêm convergir num problema: o problema pedagógico, o sistema de educação pública. É esta a questão teórica e a questão prática por excelência. Colocar este problema nos devidos termos é pois invocar ao mesmo tempo todas as energias de um povo. Aí abrimos, consequentemente, a primeira portada do nosso trabalho para um Portugal ressurgido”

- António Sérgio, “O ensino como factor do ressurgimento nacional” (1918), in Ensaios sobre Educação, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2008, p.241.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

"A sociedade desenraizada de hoje aparece-nos [...] como um teatro da peste"


“A instituição industrial tem os seus fins que justificam os meios. O dogma do crescimento acelerado justifica a sacralização da produtividade industrial às custas da convivialidade. A sociedade desenraizada de hoje aparece-nos desde então como um teatro da peste, um espectáculo de sombras produtoras de procuras e geradoras de carências. É apenas invertendo a lógica da instituição que se torna possível inverter o movimento”

- Ivan Illich, Tools for Conviviality, 1973.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O que quer dizer "salvação"?


A salvação, entendida etimologicamente, antes de qualquer interpretação doutrinal e religiosa, deriva da raiz indo-europeia sal/sol que exprime integridade e totalidade. É da mesma raiz que vem o sânscrito sarvah, que significa “todo” e se encontra muito presente no vocabulário religioso indiano. Dela procede também o grego holos (inteiro). Mediante o latino saluus, a mesma raiz originou muitas palavras de sentido físico e moral de onde destacamos “salubre”, “salvaguarda”, “sólido”, “solidário”, o “sou” francês (peça de ouro maciço), “solicitar”, o “soucier” francês, “solene” e “salva”, a planta que o povo diz que “salva”. Diz-nos Odon Vallet que “todas estas palavras excluem a fractura ou a cisão”.

A mesma raiz originou muitas palavras nas línguas germânicas, também particularmente presentes no vocabulário espiritual e religioso, onde abunda a experiência, sentimento e ideia da totalidade e da integridade: em inglês, all (tudo), whole (inteiro), healthy (de boa saúde) e holy (santo); em alemão, alles (todo, tudo), Heil (salvação, inteiro, são) e heilig (santo). Como diz o mesmo autor: “A saúde e a santidade são colocadas sob o signo da perfeição” - Odon Vallet, Petit lexique des mots essentiels, Paris, Albin Michel, 2007, pp.232-234. A pesquisa levou-nos ainda ao indo-europeu solwos (“sê inteiro”), ao pali sabba, ao avéstico haurva (ileso, intacto, são e salvo) e ao antigo persa haruva.

Ser salvo é ser são, íntegro, inteiro, total, universal

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

“Eu sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim"


“Eu sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore está encapsulada numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago a inteira evolução da Terra em mim. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso então ver o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Mensagem no Dia Mundial do Animal - Chegou a Hora da Libertação


Comemora-se hoje o Dia Mundial do Animal. A data foi escolhida em 1931 numa convenção ecológica em Florença por ser hoje também o dia de S. Francisco de Assis, o santo padroeiro dos animais.

Os animais, mais do que nossos companheiros na existência, são o que nós somos, pois nós também somos animais. Matéria e consciência sensíveis e animadas, indivíduos com uma vida mental e emocional, que têm interesses, gostos e preferências, que sentem o prazer e a dor e aspiram ao bem-estar, à preservação da vida e da integridade física, dos seus habitats naturais e da companhia dos seus semelhantes. Tal como nós, animais humanos. Os animais não-humanos desejam para si o mesmo que nós, animais humanos, desejamos para nós.

Porém não temos sido nada justos com eles. Na relação com os animais não-humanos temos violado constante e brutalmente a regra de ouro da ética: não fazer ao outro o que não desejamos que nos façam a nós mesmos. Tal como temos feito a muitos dos nossos companheiros humanos, mas incomensuravelmente mais na relação com os animais. Temo-los escravizado, violentado e instrumentalizado, tratando-os como meras matérias-primas e coisas à nossa disposição para a satisfação, não tanto das nossas necessidades reais, mas dos nossos desejos e caprichos mais fúteis. Temo-los devorado, usado para vestuário e calçado, divertimento, experimentação pseudo-científica, trabalho extenuante e muitas vezes apenas para dar livre curso aos nossos instintos mais ferozes e cruéis.

Chegou a Hora de parar, reflectir e pôr tudo isto em causa. Chegou a Hora de reconhecer que os animais têm direitos morais intrínsecos, mesmo que não tenham noção disso e ainda não sejam legalmente reconhecidos, e que os humanos têm deveres directos a seu respeito. Chegou a Hora de estendermos aos nossos companheiros não-humanos a mesma solidariedade e exigência ética de acabar com todas as formas de opressão, exploração, escravatura, extermínio e holocausto.

Chegou a Hora da Libertação. Mas esta Libertação, para que seja plena, tem de ser de todos os animais, humanos e não-humanos. E assim, lutar pelo bem dos animais é lutar pelo bem de todos, é lutar por uma sociedade culta, justa, ética e não violenta, onde o bem comum de toda a população, humana e animal, seja visado na esfera jurídica, política e económica. E isto no respeito integral pelas leis da natureza e pela Terra, mãe comum de todos os viventes.
Chegou a Hora de fazer convergir e integrar as lutas e causas sectoriais, animal, humana e ambiental, na grande luta e causa da libertação e do bem de tudo e de todos. Chegou a Hora da consciência e do activismo integral. Chegou a Hora do PAN.


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A regeneração da humanidade pela reconciliação do masculino e do feminino


A regeneração da humanidade passa centralmente pela reconciliação do masculino e do feminino, em cada um de nós e na relação entre os sexos. Isto abrange o amor homossexual, pois o masculino e o feminino são polaridades energéticas e psíquicas (e não condições físicas ou biológicas) que toda a mulher e todo o homem têm em si, podendo o feminino predominar num homem e o masculino numa mulher. Uma relação aparentemente homossexual é no fundo sempre heterossexual, pois no casal há sempre quem seja interiormente mais feminino ou mais masculino, o que pode variar consoante a evolução dos indivíduos.

O mais importante é curar a ferida aberta entre o masculino e o feminino em cada um de nós e nas relações inter-pessoais. Superar de vez o machismo e o feminismo masculinizante e ressentido. Integrar o antigo matriarcado e o patriarcado hoje em colapso numa síntese superior. Restabelecer a integridade do Humano, macho-fêmea, andrógino. E assim reunir o lado esquerdo e direito do ser e do cérebro, a razão e a sensibilidade, a inteligência e o amor-compaixão, a acção e a contemplação, o Céu e a Terra. O côncavo e o convexo.

É disso que depende uma nova Cultura e uma nova Civilização, que restaure a harmonia da humanidade com a Terra, o Cosmos e todos os seres. Pois em tudo e todos – humanos, animais, plantas, minerais – se manifestam as duas inseparáveis polaridades da sagrada dança do Eros primordial.

Isto é urgente em todas as áreas, da espiritualidade à cultura e à política. Basta do que seja parcial. É a Hora do Integral.