“Sou feito da inteira evolução da Terra; sou um microcosmo do macrocosmo. Nada há no universo que não esteja em mim. O inteiro universo está encapsulado em mim, como uma árvore numa semente. Nada há ali fora no universo que não esteja aqui, em mim. Terra, ar, fogo, água, tempo, espaço, luz, história, evolução e consciência – tudo está em mim. No primeiro instante do Big Bang eu estava lá, por isso trago em mim a inteira evolução da Terra. Também trago em mim os biliões de anos de evolução por vir. Sou o passado e o futuro. A nossa identidade não pode ser definida tão estreitamente como ao afirmar que sou inglês, indiano, cristão, muçulmano, hindu, budista, médico ou advogado. Estas identidades rajásicas são secundárias, de conveniência. A nossa identidade verdadeira ou sáttvica é cósmica, universal. Quando me torno consciente desta identidade primordial, sáttvica, posso ver então o meu verdadeiro lugar no universo e cada uma das minhas acções torna-se uma acção sáttvica, uma acção espiritual”

- Satish Kumar, Spiritual Compass, The Three Qualities of Life, Foxhole, Green Books, 2007, p.77.

“Um ser humano é parte do todo por nós chamado “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Nós experimentamo-nos, aos nossos pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão de óptica da nossa consciência. Esta ilusão é uma espécie de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afecto por algumas pessoas que nos são mais próximas. A nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos desta prisão ampliando o nosso círculo de compreensão e de compaixão de modo a que abranja todas as criaturas vivas e o todo da Natureza na sua beleza”

- Einstein

“Na verdade, não estou seguro de que existo. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que encontrei, todas as mulheres que amei, todas as cidades que visitei”

- Jorge Luis Borges

domingo, 31 de março de 2013

Em homenagem a Agostinho da Silva, grande inspirador, que partiu no Domingo de Ressurreição, 3 de Abril de 1994, há 19 anos, para ficar eternamente presente.





Em homenagem a Agostinho da Silva, grande inspirador, que partiu no Domingo de Ressurreição, há 19 anos (3 de Abril de 1994), para ficar eternamente presente.

“O que é que eu penso da morte? Não penso nada, porque nunca morri, não tenho nada que me pronunciar sobre esse assunto. Deixa-me morrer, porque depois, se houver alguma coisa e eu puder dizer, eu comunico para você, sou seu amigo, porque é que não hei-de comunicar, não é?”

- Agostinho da Silva, Depoimento filmado.


Morto o ego na paixão e cruz do mundo, assumidos e transmutados os infernos da dor e da inconsciência, celebremos a Ressurreição de tudo!


"Höchsten Heiles Wunder!
Erlösung dem Erlöser!"

"Milagre da suprema salvação!
Redenção do Redentor!"

- Wagner, Parsifal, III. 

"Mas a Ressurreição [...] é a verdade que permanece firme. É a revelação do que é e a transformação das coisas e uma transição para a novidade".

"[...] fujam das divisões e das cadeias e já possuem a Ressurreição"

- Tratado da Ressurreição, 48-49.

"Enquanto estamos neste mundo é apropriado adquirir a Ressurreição"

- Evangelho de Filipe, 66.


Morto o ego na paixão e cruz do mundo, assumidos e transmutados os infernos da dor e da inconsciência, celebremos a Ressurreição de tudo!

sexta-feira, 29 de março de 2013

"A ideia da missão civilizadora conferiu à cultura europeia um complexo de superioridade que com o tempo se transformou num traço incapacitante"




“Muito para além do seu impacto económico, o colonialismo teve um papel determinante na formação da cultura europeia e muito especificamente da cultura política. A ideia da missão civilizadora conferiu à cultura europeia um complexo de superioridade que com o tempo se transformou num traço incapacitante. A superioridade da religião (cristianismo) e do conhecimento (ciência moderna) justificou o privilégio de ensinar o mundo a troco da sua exploração colonial. O exercício prolongado deste privilégio conformou de tal maneira o ethos europeu que incapacitou a Europa para imaginar relações horizontais entre diferenças culturais, religiosas, étnicas ou epistemológicas. Daí que se tenha tornado inimaginável para a Europa dar valor intrínseco a outras experiências ou culturas do mundo extra-europeu e aprender com elas. Houve muita curiosidade pela alteridade mas foi sempre instrumental, para a transformar em matéria-prima que alimentava e reforçava a superioridade do cristianismo, da cultura europeia, e da ciência moderna”

- Boaventura de Sousa Santos, Portugal. Ensaio contra a autoflagelação, Coimbra, Almedina, 2011, pp.134-135.

“Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz"




“Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos; o seu ideal deveria ser o de passar anónimo e o de ver com olhar nem sequer indiferente mas agradecido que atribuam a outro o que ele próprio realizou; as tarefas lhe devem ser difíceis porque é o fácil o predilecto reino do Diabo; e se, no fim da jornada, reconhecer que não realizou qualquer sonho que por acaso tenha, console-o ter possibilitado a realização dos sonhos de muitos outros, que, por serem pequenos em âmbito, não eram talvez menores em intensidade, e é isto o que verdadeiramente conta. Político não veio ao mundo para se satisfazer a si próprio: veio para se modelar, veio para se libertar do que lhe era inferior, e não representa num determinado campo senão o que devia ser feito por todos os homens, qualquer que seja a sua especialidade”

- Agostinho da Silva, “As Aproximações” (1960), Textos e Ensaios Filosóficos, II, pp.62-63.  

"Que o teu sofrimento seja bendito"


"Que o teu sofrimento seja bendito,
que deu a força suprema da compaixão
e o poder do puro saber
a este louco de coração tímido"

- fala de Parsifal, in Wagner, "Parsifal", III Acto.

quinta-feira, 28 de março de 2013

A população humana aumenta, a biodiversidade diminui...

"Além da apropriação desigual do espaço ambiental dentro da espécie humana, que cria problemas de justiça social, parece intuitivamente claro que também há uma apropriação excessiva a respeito das demais espécies de seres vivos com quem compartilhamos o planeta (o que cria problemas de justiça inter-espécies). Apenas alguns dados:

* Num dos piores episódios de extermínio da história, a população original de bisontes das Grandes Planícies dos Estados Unidos - mais de 75 milhões de animais em finais do século XVIII - tinha-se reduzido em 1895 para apenas 800 bisontes, a maioria confinados no Parque Yellowstone.
* No século XX - entre 1900 e 1999 - a população humana multiplicou-se por 4 (passando de 1600 a 6000 milhões).
* Simultaneamente, o número de elefantes dizimou-se (passando de mais de 6 milhões de paquidermes a menos de 600 000).
* E a população de baleias azuis reduziu-se em mais de 99 por cento)"

- Jorge Riechmann, "Todos los animales somos hermanos. Ensayos sobre el lugar de los animales en las sociedades industrializadas", Madrid, Catarata, 2005, p.124.

Não sejamos cúmplices no holocausto pascal

Estamos na Páscoa. Se nos libertarmos um pouco das mil distracções e preocupações das nossas vidinhas egoístas, que nos fazem passar como zombies pelo mundo, e olharmos atentos para os talhos, veremos filas de cordeiros e borregos pendurados, decapitados, esfolados e ainda a pingar sangue, oferecidos para serem o centro das atenções e do apetite das famílias no Domingo em que se comemora a Ressurreição de Cristo. Se estivermos conscientes e ligarmos os efeitos às causas, podemos imaginar o que se passa neste preciso momento nos matadouros, onde milhões de animais que como nós amam a vida e temem a dor e a morte são conduzidos ao abate impiedoso. Podemos imaginar quanta angústia e sofrimento de seres vivos e sensíveis como nós custam as iguarias que vão encher os pratos do Domingo pascal.

​Tudo isto para comemorar a Páscoa. Mas o que é originalmente a Páscoa, para além deste sangrento e inconsciente ritual colectivo? Antes da saída dos hebreus do Egipto, a Páscoa foi a festa cananeia e pagã da Primavera, que celebrava a renovação da natureza. O mesmo aconteceu na cultura nórdica, como se documenta no Easter inglês e no Ostern germânico, nomes de uma deusa da aurora e da Primavera. A palavra Páscoa vem da palavra hebraica Pésah, provavelmente derivada do verbo pasah, com o significado de “saltar por cima (de um obstáculo)”. Tradicionalmente traduziu-se Pésah por “passagem” para evocar a lendária travessia do Mar Vermelho pelos hebreus no Êxodo do Egipto. Para este povo, a Páscoa é símbolo de libertação. No cristianismo, a Páscoa passou a ser o período, coincidente com a semana hebraica da Pésah, em que se comemora a Última Ceia, a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo, que significativamente foi assumido como o “Cordeiro de Deus”, oferecido em sacrifício para expiar os pecados do mundo. Com isto, a mensagem cristã é clara: Cristo vem pôr fim aos sacrifícios sangrentos de outros seres, humanos ou animais, para agradar a Deus ou aos deuses; em vez disso, o caminho é o da entrega de si, no sentido de romper o casulo da indiferença, morrer para o egoísmo e renascer ao serviço dos outros.

​Mas a Páscoa, festa pagã da renovação, festa hebraica da libertação e festa cristã do dom altruísta de si mesmo, converteu-se hoje, para largos sectores da humanidade dita civilizada do século XXI, e sobretudo no mundo europeu-ocidental, num absurdo e monstruoso ritual de chacina e morte, em que milhões de animais são oferecidos em holocausto para agradar às novas divindades que são as multidões humanas escravas da gula, da ignorância e da insensibilidade e oferecer avultados lucros aos industriais da carne. Como sempre, alguns pensarão e dirão: “são apenas animais”. A esses recordo apenas as palavras do filósofo e compositor Theodor Adorno:

“Auschwitz começa sempre que alguém olha para um matadouro e pensa: são apenas animais”.

Não sejamos cúmplices deste novo e imenso holocausto. Enquanto não for sempre, que seja pelo menos na Páscoa. Que nesta Páscoa não deixemos que nenhum animal encha os nossos pratos e entre nos nossos corpos. Pois, enquanto o fizermos, estaremos a ser obreiros da violência e os nossos garfos estarão ligados, por fios invisíveis mas terrivelmente reais, à degola dos inocentes.

Paulo Borges

28 de Março de 2013

A meditação na tradição budista: próximo curso em Lisboa e workshop no Porto



Próximo curso em Lisboa e workshop no Porto:

http://www.uniaobudista.pt/actividades.php?show=budismo&activ=474

http://pranacym.blogspot.pt/2013/03/Workshop-Respirar-a-Vida.html#.UVOSgBe-2So

terça-feira, 26 de março de 2013

"A real crise não está nestes acontecimentos com que nos confrontamos, como guerras, crime, drogas, caos económico e poluição; está realmente no pensamento que a está a produzir, constantemente"

"A real crise não está nestes acontecimentos com que nos confrontamos, como guerras, crime, drogas, caos económico e poluição; está realmente no pensamento que a está a produzir, constantemente. Cada pessoa pode fazer algo a respeito desse pensamento, porque está nele. Mas um dos problemas em que nos metemos consiste em dizer: "São eles que estão a pensar tudo isso e eu estou a pensar correctamente". Digo que isso é um erro. Digo que o pensamento nos impregna. É semelhante a um vírus - de algum modo isto é uma doença de pensamento, de conhecimento, de informação, espalhando-se por todo o mundo. Quanto mais computadores, rádio e televisão temos, mais rapidamente ela se espalha. E assim o tipo de pensamento que está em curso a toda a nossa volta começa a predominar em todos nós, sem sequer darmos por isso. Está a espalhar-se como um vírus e cada um de nós está a nutrir esse vírus"

- David Bohm, "On Dialogue" (1996), Londres/Nova Iorque, Routledge, 2010, p.58.

Portugal já não é. Transformamo-nos noutra coisa...


Portugal já não é. Transformamo-nos noutra coisa. Algo de belo e terrível. O moribundo integrado na defunta Europa é uma crisálida de inesperado. 

- A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, Sintra, Zéfiro, 2008.


"Unidos por uma Nova Cultura", discurso no Global Grace Day, em 9.11.2012


"Unidos por uma Nova Cultura", discurso no Global Grace Day, em 9.11.2012, na Voz do Operário em Lisboa, enquanto presidente do PAN.

"...libertarmo-nos, alargando o nosso círculo de compaixão para abranger todas as criaturas viventes,,,"



"A nossa tarefa deve ser libertarmo-nos, alargando o nosso círculo de compaixão para abranger todas as criaturas viventes, toda a natureza e a sua beleza"

- Albert Einstein

segunda-feira, 25 de março de 2013

PETA pede ao Papa que direccione o Vaticano para o veganismo

http://www.anda.jor.br/23/03/2013/peta-pede-ao-papa-que-direcione-vaticano-para-o-veganismo



"Este é o motivo pelo qual lhe escrevo, encorajando-o a tomar medidas para introduzir o veganismo no Vaticano, zelando para que nenhuma carne, ovos e laticínios, oriundos de fazendas industriais,sejam lá servidos. Esta mudança tornar-se-ia um notável e importante exemplo humano da verdadeira compaixão para com todas as criaturas de Deus.

Como o senhor bem o sabe, a fé Católica tem uma longa tradição na conduta de tratar os animais com respeito, desde São Francisco de Assis até a mensagem de Cristo no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os misericordiosos”. Nas contemporâneas fazendas industriais, nas quais as galinhas são amontoadas aos milhares dentro de galpões escuros impregnados pelo fétido cheiro de amônia,onde peixes sofrem torturante descompressão quando retirados da água e privados de sua fonte de oxigênio e vacas e porcos são sistematicamente mutilados sem anestésicos, não há nada de misericordioso na forma com que animais são mortos para servir de comida. Seus dois antecessores pronunciaram-se de forma vigorosa contra a crueldade cometida com os animais. O Catecismo da Igreja Católica, conforme promulgado pelo Papa João Paulo II, afirma: “Animais são criaturas de Deus…Assim sendo, os homens lhes devem bondade. Deveríamos evocar a benevolência com que Santos, como São Francisco de Assis ou São Filipe Néri, tratavam os animais…É contra a dignidade humana causar, desnecessariamente, o sofrimento e morte de animais.”

O Papa Emérito Bento XVI compartilhou deste sentimento, dizendo: “Nós não podemos, simplesmente, fazer qualquer coisa que queiramos com os animais. Animais são, também, criaturas de Deus… Há, por certo, um tipo de uso industrial dessas criaturas, onde galinhas vivem tão comprimidas umas às outras, que acabam transformando-se em caricaturas de aves… isto parece-me, de fato, contradizer a relação de reciprocidade recomendada na Bíblia.”

Banindo os produtos animais provenientes das fazendas industriais e consumindo, o mais possível, alimentos sem carne, o senhor estará enviando uma poderosa mensagem a todos os Cristãos do mundo. Devemos ser as mãos de Nosso Senhor e Seu coração amoroso, alimentando os pobres e manifestando compaixão e misericórdia para com todas as criaturas de Deus"

Uma pequena meditação por mim orientada na Alma TV

domingo, 24 de março de 2013

"...estamos todos em todos"



“Por inconcebível que pareça à nossa razão comum, todos nós – e todos os demais seres conscientes enquanto tais – estamos todos em todos. De modo que a vida que cada um de nós vive não é meramente uma porção da existência total, mas de certo modo é o todo”

- Edwin Schrödinger, What is life? Mind and Matter, Cambridge University Press, 1980.

O encontro dos amantes é a festa do mundo

Perdemos tudo o que possuímos por não perdermos a ideia de possuir.

Abre bem os olhos



Abre bem os olhos e fita o Céu.
Vê.
E não regresses, a não ser por amor.

- A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, Sintra, Zéfiro, 2008.

sábado, 23 de março de 2013

Quem é o meu próximo?





Interrogado pelos fariseus acerca de “qual o maior mandamento da Lei”, Cristo respondeu “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus, 22, 39). Esta resposta, que cita duas passagens do Deuteronómio (6, 5) e do Levítico (19, 18), determinou a ética do Ocidente cristão, sobrevivendo na versão laica com o segundo mandamento, que impulsionou os movimentos sociais e humanitários dos séculos XIX e XX. Notamos todavia que Cristo não se limitou ao “maior” mandamento e fez questão, não só de indicar um segundo, mas de o assumir como “semelhante” ao primeiro, reduzindo explicitamente a suposta distância entre eles. O que se confirma ao acrescentar que os “dois mandamentos” são o cerne de toda a revelação bíblica.

O amor integral a Deus e um amor ao próximo idêntico ao amor de cada um a si mesmo são para Cristo o centro da vida ética e espiritual. A tradição judaico-cristã da qual somos herdeiros, mesmo nas versões ateia e agnóstica que sacrificam o primeiro mandamento, transmitiu-nos um entendimento pouco questionado desses dois objectos do amor como sendo, respectivamente, o Ente e criador supremo e os seres humanos, criados à sua imagem e semelhança, excluindo a restante criação, que existiria apenas para ser dominada pelo homem (Génesis, 1, 26). Daqui derivou uma das maiores justificações do antropocentrismo ocidental, que reforçou tendências vindas das raízes greco-romanas e hoje - com a globalização capitalista, a explosão demográfica e o aumento exponencial do poder industrial e tecnológico - resulta na devastação do planeta, na desconsideração dos animais não-humanos e na manutenção de dezenas de biliões desses seres, com sensibilidade e sentimentos semelhantes aos nossos, em campos de concentração, escravatura e tortura, piores que Auschwitz, para satisfazer a ganância das multinacionais da carne e a gula dos consumidores dos países ditos desenvolvidos. Isto com prejuízo da saúde pública, dadas as toxinas, hormonas e antibióticos que saturam essa carne, além de um terrível impacto ambiental, já denunciado pela ONU.

Uma mente aberta deve contudo questionar a interpretação dos textos, sobretudo os que se apresentam como sagrados e mais são instrumentalizados por interesses inconfessados. Na verdade, o que é Deus? A palavra “Deus” procede da raiz indo-europeia dei, que significa “tudo o que brilha”, de onde vem o português dia. Neste sentido, Deus pode interpretar-se não como um ser exterior ao homem e ao mundo, mas antes como a luz da consciência que há em todos os seres. E quem é o meu próximo? Aquele que pertence ao mesmo grupo familiar, social, profissional, económico, nacional, étnico, cultural, linguístico, político ou religioso? Aquele que pertence à mesma espécie, ao mesmo planeta ou à mesma galáxia? Ou o meu próximo é aquele de quem me sentir próximo, amando-o ao ponto de o não sentir separado de mim? O meu próximo tem então de ter duas pernas e dois braços ou pode ter quatro patas, muitas ou nenhuma, caule, tronco, folhas, flores e frutos? Tem de ter cabelos e pele nua ou pode ter pêlos, penas, couraça, escamas e casca? Tem de viver sobre a terra ou pode rastejar dentro dela e voar e brilhar nos céus? Tem de ter uma vida individual ou pode ser a própria terra, as areias, as rochas, os minérios, as águas, os ventos, o fogo e as energias que tudo impregnam? Tem de falar a minha linguagem ou pode miar, ladrar, zumbir, uivar, cacarejar, grunhir, mugir, relinchar, rugir, trinar, grasnar, trovejar, soprar, relampejar, chover, florir, frutificar, repousar e mover-se em silêncio? Tem de ter forma e ser visível ou pode não a ter e ser invisível? Tem de ter vida consciente e senciente? Tem de ter vida? Tem de ser algum ser ou coisa ou pode ser tudo? A empatia, o sentir o outro como o mesmo, o amor e a compaixão ante o que é animado ou simplesmente existente, têm limites? Temos limites?

Talvez por isso Cristo não haja definido o próximo e haja dito que o amor a ele é “semelhante” ao amor a Deus. Pois talvez só esse amar integralmente tudo quanto existe e vive, tal como nos amamos a nós mesmos, possa fazer surgir no coração essa luz da consciência a que os humanos chamam Deus.

[publicado na revista CAIS, nº171 (Lisboa, Março de 2012)]

sexta-feira, 22 de março de 2013

Descolamos de Lisboa rumo ao infinito azul do céu e do oceano. Como subitamente se revela a pequenez dos seres humanos, vistos da crescente altura e vastidão do espaço!

Apontamento inicial do Diário da última viagem a Marrocos, com a Luísa, para subir ao Tubkal, o ponto mais alto do Atlas:

04.09.2011 - 14.45

Descolamos de Lisboa rumo ao infinito azul do céu e do oceano. Como subitamente se revela a pequenez dos seres humanos, vistos da crescente altura e vastidão do espaço! Uma multidão de formigas loucas e ansiosas, correndo em todas as direcções, metidas em pequenas caixas motorizadas, a poluir o planeta atrás do que nenhuma sabe bem o quê... O ridículo de tantas preocupações, desejos e conflitos... Lá em baixo rodopiam, ligados a corpos minúsculos, inumeráveis turbilhões de pensamentos, imagens e emoções, quase sempre tão estreitos e mesquinhos pelo apego e aversão a todo o tipo de coisas irreais ou passageiras... Os mesmos que revoluteiam em nós que os contemplamos aqui de cima... E todavia todos simultaneamente temos a natureza do espaço infinito, como esta pacífica e luminosa imensidão azul em que o avião descola, se eleva e desloca...

Um desígnio para Portugal

Muitos portugueses parecem partilhar do mesmo sentimento de Álvaro de Campos, expresso nestes versos: “Pertenço a um género de portugueses / Que depois de estar a Índia descoberta / Ficaram sem trabalho". Sentimos com efeito que nos falta um desígnio colectivo, a comunhão de um ideal e de um objectivo comum, que faça da sociedade portuguesa mais do que uma soma caótica de indivíduos e grupos com interesses antagónicos em disputa contínua. Falta um desígnio e uma comunhão de princípios, valores e objectivos que faça de Portugal uma verdadeira comunidade. Após a fundação e a expansão territorial, após a aventura marítima e o fascínio de África, do Oriente e do Brasil, com os seus ambíguos resultados, após a crescente desilusão do fictício El Dorado europeu, sente-se cada vez mais que Portugal é uma nau errante, ao sabor dos ventos e marés da economia e à mercê da pirataria financeira internacional. E o português definha na "apagada e vil tristeza" de que falou Camões, sem horizonte de futuro e golpe de asa para nele se lançar, sem aquela motivação de um grande desafio que o leve a transcender-se e a dar o seu melhor a uma causa generosa, como aconteceu quando da solidariedade com Timor. 

Esse desígnio e esse desafio, essa comunhão que nos devolva o sentimento de pertença a um destino comum, com princípios, valores e objectivos partilhados, não pode hoje vir dos canais tradicionais, em franca decadência, seja o Estado, a Igreja, a família ou a escola. Tem de ser toda a sociedade, desperta pelos indivíduos, grupos, associações e forças mais conscientes, a mobilizar-se para repensar o sentido da nossa existência colectiva e histórica como nação. Creio que, perante os desafios do nosso tempo, perante os riscos de colapso económico-financeiro, social e ecológico, o grande desígnio só pode ser o de promover uma cultura da paz e da solidariedade global e integral, que abranja o homem, os seres vivos e toda a Terra. Perante a crescente abdicação do Estado português diante da banca e da finança internacional, tem de ser a sociedade civil a organizar-se autonomamente mediante uma coordenação das associações de voluntários que se dedicam desinteressadamente a cuidar do outro, seja o homem, o animal ou o planeta. Estas associações e todos os indivíduos movidos pelo altruísmo solidário são o que há de mais são em Portugal e só deles pode vir uma reorganização do país com o supremo desígnio do bem comum. Há que ver que todos os que se dedicam ao apoio e solidariedade social, à protecção dos animais, das minorias e dos sectores mais desfavorecidos da população, à busca de alternativas espirituais, culturais, terapêuticas, económicas e ecológicas, estão a caminhar no mesmo rumo, o de uma nova civilização, mais consciente, sã e ética.

Seria precioso que essas pessoas e associações dessem as mãos e concertassem esforços, constituindo-se como uma força social alternativa ao Estado, ao Governo e aos organismos públicos, dominados por uma classe política e administrativa da qual já se viu nada haver a esperar senão o pior. Isso seria o equivalente a uns novos Descobrimentos, só que desta vez no nosso território e dentro de nós mesmos, sem violentar nem explorar ninguém. 

Quando isso acontecer, poderemos comemorar no 10 de Junho não o Portugal passado, mas o outro Portugal que no presente já antecipa um futuro melhor para todos. 

A verdadeira causa do nosso mal-estar (publicado na revista CAIS)



Muito para além do que pensou Freud, a verdadeira causa do crescente “mal-estar na civilização” é o vivermos muito aquém da nossa verdadeira natureza e das nossas mais fundas potencialidades internas. É dessa profunda privação, bem como do seu não reconhecimento, que vem o desejo compensatório e compulsivo de prosperar e realizar todo o tipo de desejos no mundo material exterior. É por vivermos muito abaixo das nossas profundas potencialidades espirituais que acabamos por desejar viver muito acima das nossas reais possibilidades materiais, tornando-nos escravos-responsáveis do sistema capitalista de produção e consumo que explora e gere esta nossa vulnerabilidade, com todas as consequências a nível social, económico, ambiental e político que configuram a mais visível crise em que nos encontramos. Mas esta crise externa é apenas o efeito de uma crise interna, de natureza espiritual, e não pode ser superada sem que esta o seja. De outro modo, continuaremos a combater sintomas em vez de irmos à sua origem, que é o que têm feito desde há séculos as tentativas de mudança meramente social, económica e política, cuja história é o currículo dos seus fracassos e, muitas vezes, do trágico agravamento dos problemas que tentaram resolver.

A verdadeira causa do nosso mal-estar é vivermos identificados com as fronteiras de um ego psicofisiológico, um género, uma espécie, um nome, uma idade, uma família, uma profissão, uma nação, uma língua, uma cultura, um clube, um partido, uma religião ou uma irreligião, quando na verdade somos íntimos parentes de todos os seres e inseparáveis do todo e do infinito. A verdadeira causa do nosso mal-estar é este exílio e saudade em que vivemos da nossa Vida profunda, numa sociedade que considera isso normal e constantemente pressiona para que jamais despertemos desta alienação e rompamos as barreiras da patológica normose colectiva [1]. A mais funda causa do mal que fazemos aos outros, aos humanos, aos animais e ao planeta, é este mal que dia a dia fazemos a nós mesmos, traindo os nossos mais fundos impulsos ou aspirações em troca da ilusão de prazer, conforto, segurança, prestígio, riqueza e poder, que, por mais que o tentemos ignorar, bem sabemos que nunca nos satisfazem e sempre nos escapam. É daí que vem o stress e a ansiedade com que procuramos entregar-nos a mil ocupações e projectos para anestesiar a dor da ferida aberta que no mais íntimo trazemos. E é da contínua e inevitável frustração disso, pois procuramos fora o que ignoramos ou rejeitamos dentro, que vem todo o mal de viver, o tédio, o desalento, a tristeza e a frustração que assombram a sociedade contemporânea e se traduzem em depressões, neuroses e psicoses que a psicologia e psiquiatria convencionais tratam com meios externos e químicos, por ignorarem que são fundamentalmente crises decorrentes da repressão individual e colectiva daquilo que Stanislav Grof e a psicologia transpessoal chamam “emergência espiritual” [2].

Necessitamos de um movimento global de redescoberta das dimensões profundas da Vida, que reencontre os caminhos de iniciação esquecidos e rejeitados pelas sociedades industriais movidas pela ganância de domínio e exploração do mundo exterior. Necessitamos de novas experiências, escolas e comunidades onde se viva desde já em descoberta e comunhão do íntimo numinoso do ser. É urgente redescobrir e libertar as possibilidades mais amplas e fundas da consciência, da criatividade e dos relacionamentos, da sexualidade, do erotismo e do amor, com uma ética do respeito integral pela Terra e por todas as formas de vida. Pois a normose de um sistema senil, que vive de gerar cadáveres adiados que produzem e procriam, não pode curar-se recorrendo às vias sempre fracassadas do passado. Dela nada nem ninguém nos pode libertar senão o movimento de cada um e de todos para perder o medo que nos fecha nas falsas identidades, romper os muros da normalidade instituída, amar, abraçar e dançar a Vida em nós e em tudo e descobrir a Vastidão que desde sempre trazemos em nós encoberta. Pois o que admiramos na contemplação do céu, do mar, das florestas, dos astros e das paisagens vastas e silenciosas, o que nos arrebata naquelas melodias, imagens ou palavras que subitamente nos transportam para além do tempo, o que procuramos na natureza, na arte, na literatura, na religião e no amor, não é senão a revelação fulgurante disso que desde sempre, a cada instante e para sempre sem o saber somos: a nossa Realeza cósmica, coroada de silêncio, espanto e estrelas.



[1] Cf. Pierre Weil, Jean-Yves Leloup, Roberto Crema, Normose. A patologia da normalidade, Campinas, Verus, 2004.

[2] Cf. Stanislav Grof, A Psicologia do Futuro, Porto, Via Óptima, 2007.

quinta-feira, 21 de março de 2013

A Poesia é a festa do pensamento



A Poesia é a festa do pensamento. A Primavera que irrompe pelas frestas da razão mercantil e revela a virginal e edénica Floresta onde nunca deixámos de ser crianças a rodopiar na folia da vida, atónitos irmãos das estrelas, dos animais e dos deuses.

"...se as pessoas adoptassem o vegetarianismo por consenso universal, desceria sobre esta terra uma paz eterna e uma felicidade imanente..."

“Os valores morais fazem com que renunciemos a tomar tudo aquilo que não podemos oferecer aos demais. Não podemos dar a vida a ninguém. […] Assim, pois, equivaleria a uma desavergonhada arrogância e a uma atroz maldade da nossa parte arrebatar a vida a alguém. Creio firmemente que, se as pessoas adoptassem o vegetarianismo por consenso universal, desceria sobre esta terra uma paz eterna e uma felicidade imanente e o sofrimento humano, em todas as suas formas, seria coisa do passado […]. Os seres humanos experimentariam paz mental e contentamento no coração inclusive ao morrer”

- Chatral Rinpoche


"O mundo da criança é cheio de frescura, de novidade, de beleza, povoado de maravilhas e entusiasmo"

Um grande livro, agora disponível em português, graças à actividade incansável de José Carlos Costa Marques e da Associação Campo Aberto. Recomendo-o a todos os pais que tenham crianças pequenas e que as queiram ajudar a manter, mantendo eles próprios, o sentimento da maravilha do mundo, preservando-se e a elas de se tornarem adultos insensíveis, frustrados e infelizes com vidas monótonas e sem sentido, um dos maiores males desta civilização.

"O mundo da criança é cheio de frescura, de novidade, de beleza, povoado de maravilhas e entusiasmo. É uma pena que, para a maioria de nós, essa visão de olhar límpido, esse verdadeiro instinto que inclina ao belo e inspira temor e respeito, se esbata e mesmo perca antes de chegarmos à idade adulta. Se eu tivesse alguma influência sobre a fada boa que se julga presidir ao batismo de todas as crianças, pediria que o seu presente para qualquer criança que viesse ao mundo fosse uma capacidade de maravilhamento tão indestrutível que duraria toda a vida, como antídoto infalível contra o aborrecimento e o desencanto da idade adulta, as preocupações estéreis com as coisas artificiais, o alheamento que nos afasta das fontes da nossa força.

Para que uma criança mantenha vivo o seu sentido inato do que é maravilhoso sem que lhe tenha sido dado tal presente pelas fadas, ela necessita da companhia de pelo menos um adulto com quem possa partilhá-lo, redescobrindo com ele a alegria, o entusiasmo e o mistério do mundo em que vivemos"


- Rachel Carson, Maravilhar-se. Reaproximar a criança da natureza, Porto, Campo Aberto, 2012.


Em grego existem duas palavras para dizer "vida": "biós" e "zoé"



"Em grego existem duas palavras para dizer "vida": "biós" e "zoé". "Biós" é uma das formas possíveis da vida integral. Foi criada a partir da diversificação das espécies e da individuação de membros no interior de cada espécie. "Biós" está no reino da individualidade e da diversidade. "Zoé" é a vida que nos atravessa a todos. A nossa singularidade biológica é apenas uma das possíveis manifestações de "zoé". Nas suas fases mais imaturas, o nosso pequeno eu aferra-se à vida à custa de exterminar outras formas de existência. Crescer em consciência significa perceber que todos participamos da mesma vida (zoé) que apareceu na terra e que transcende o próprio planeta. Quando ficamos reduzidos à nossa dimensão "biológica" individual, apenas lutamos pela nossa sobrevivência - pessoal ou grupal, que não é mais do que a extensão do nosso ego - , esquecendo que a nossa existência individual e de espécie participa de uma realidade e de um dom muito maiores que procedem de um fundo multiforme, transtemporal e infinito cujas manifestações somos chamados a venerar, cuidar e servir, em vez de possuir, dominar ou submeter"

- Javier Melloni, Hacia un Tiempo de Síntesis, Barcelona, Fragmenta Editorial, 2011, p.222.